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Matérias / Segunda Guerra

Além dos nazistas, pracinhas também 'derrotaram' o preconceito do próprio brasileiro

Estereotipados pela figura de 'Jeca Tatu', de Monteiro Lobato, febianos superaram desconfianças e foram exaltados 'com uma festa jamais vista'

Fabio Previdelli
por Fabio Previdelli
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Publicado em 19/11/2024, às 18h00 - Atualizado às 18h27

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Soldados da FEB no navio General Mann - Agência Nacional (exposição virtual)
Soldados da FEB no navio General Mann - Agência Nacional (exposição virtual)

Ao todo, 25.445 homens e mulheres brasileiros embarcaram para a Itália junto da Força Expedicionária Brasileira (FEB) no contexto da Segunda Guerra Mundial. Entre eles estavam 1.624 oficiais, 23.693 praças, e 128 membros diversos, envolvidos em atividades diretamente relacionadas ao combate ou em apoio aos combatentes Aliados.

+ A importância da participação brasileira na Segunda Guerra: "Marcou um ponto de virada"

Conforme resgata Durval Lourenço Pereira, tenente-coronel R1 do Exército Brasileiro, em 'Guerreiros da Província: A Jornada Épica da Força Expedicionária Brasileira', a FEB levou à Europa cerca de 800 militares em seu 1º Grupo de Caça e na 1ª Esquadrilha de Ligação e Observação, entre oficiais, suboficiais, sargentos, cabos, soldados, enfermeiras, taifeiros e um capelão.

Além disso, milhares de brasileiros estiveram envolvidos na defesa costeira, integrando unidades de patrulha da Marinha do Brasil, da Força Aérea Brasileira, e unidades do Exército Brasileiro que guarneceram postos-chaves do litoral.

Oficial dos EUA auxiliar combatentes da Força Expedicionária Brasileira (FEB) - Agência Nacional (exposição virtual)

"O processo de seleção do contingente revelou-se extremamente difícil, tanto por razões estruturais da sociedade nacional quanto como pelo baixo nível sanitário da população em geral. Cerca de dois terços dos convocados foram reprovados nas inspeções de saúde", aponta o pesquisador entrevista à revista Aventuras na História. Os motivos para as reprovações são detalhadas na obra que foi lançada pela Insight Books. 

Durante o conflito, o Exército Brasileiro sofreu 443 baixas fatais, sendo 364 em combate. Já na Força Aérea, entre os oficiais pilotos, houve o total de 48 mortos: cinco em combate, abatidos pela artilharia antiaérea inimiga; oito abatidos pela artilharia antiaérea inimiga e feitos prisioneiros; seis afastados do serviço por prescrição médica em virtude de esgotamento físico e três mortos em acidentes de aviação. Por fim, a Marinha de Guerra perdeu 486 homens durante a Segunda Guerra.

A importância das tropas brasileiras

Embora, em um primeiro momento, a participação dos Pracinhas foi considerada uma 'dor de cabeça' pelos Aliados, conforme Lourenço Pereira explica na primeira parte desta entrevista, a chegada da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária (1ª DIE) ao teatro de operações da Itália foi de grande valor para o Vº Exército dos EUA

"Eles estavam severamente desfalcados de unidades operacionais desviadas para a invasão do Sul da França", aponta. "Em setembro-outubro de 1944, o modesto Destacamento FEB (basicamente composto pelo 6º Regimento de Infantaria, de São Paulo) arrancou do adversário área com cerca de 390 quilômetros quadrados, capturando 208 prisioneiros ao custo de 322 baixas (13 mortos e 87 feridos em ação, sete extraviados e 215 acidentados)". 

Representação do slogan dos pracinhas - Wikimedia Commons

As tropas brasileiras ainda ocuparam e conquistaram locais ermos, como o Monte Nona (1.300m), que hoje visitado apenas por excursões de alpinistas e trilheiros, relata o pesquisador. 

Dezenas de localidades e seus milhares de habitantes ganharam liberdade do jugo nazifascista. Não foi pouca coisa", destaca o pesquisador.

Durval também aponta que a participação febiana no conflito representou um gigantesco salto doutrinário, material e operacional para o Exército Brasileiro. "Tornou-o a principal e inequívoca potência militar na América do Sul. Elevou o conceito do país no cenário internacional, que passou a ser visto como relevante protagonista das Nações Unidas, particularmente na pacificação de nações envoltas em guerras civis e crises humanitárias".

A conquista de Monte Castello

Entre novembro/dezembro de 1944 e fevereiro de 1945, ocorreram as batalhas na região em torno do Monte Castello. O local já havia sido alvo de uma ofensiva das tropas norte-americanas entre os dias 24 e 25 de novembro daquele ano. Mas sem sucesso. 

Também existiram outras duas tentativas falhas: em 29 de novembro e 12 de dezembro, já a cargo dos brasileiros. "A conquista do Monte Castello foi possível somente em fevereiro de 1945, durante a Operação Encore, quando o IV Corpo dos EUA (no qual estava inserido a FEB) contou com o reforço da 10ª Divisão de Montanha dos EUA, que conquistou elevações adjacentes e dominantes como o Monte Belvedere", contextualiza Lourenço Pereira.

Soldados da Força Expedicionária Brasileira em Monte Castello / Crédito: Domínio Público

A conquista do maciço Belvedere-Monte Castello foi fundamental para que, durante a Ofensiva de Primavera, realizada abril de 1945, os Aliados finalmente pudessem romper a linha defensiva alemã na Itália

Pracinhas exaltados

Após onze meses de campanha, os pracinhas foram recebidos no Rio de Janeiro (então capital federal) e em outras cidades brasileiras com uma grande festa. 

O Desfile da Vitória ocorreu em 18 de julho de 1945, no Centro do Rio, quando o 1º escalão da Divisão de Infantaria Expedicionária, comandado pelo general Zenóbio da Costa, desembarcou na capital carioca, recorda artigo do Arquivo Nacional. 

Os pracinhas foram recebidos no Brasil com uma festa jamais vista na história do Rio de Janeiro. A imprensa da época calculou que, de cada três cariocas, um estava presente na Avenida Rio Branco durante o Desfile da Vitória", completa Durval
Pracinhas sendo recebidos no Desfile da Vitória - 1SgtNahon-AHEx/Exército Brasileiro

Mais importante que a festa, o pesquisador aponta que a vitoriosa campanha febiana fez ruir o preconceito disseminado nas grandes cidades em relação ao homem do interior, natural de localidades minúsculas como Belmiro Braga, Guaxupé, Rio Novo, São João Nepomuceno e Santa Rita do Passa Quatro. 

"Em geral, eles cresceram em fazendas, distritos e povoados, que raramente ultrapassavam esparsos e minguados cinco mil habitantes. Em Urupês (1918), o homem do campo ganhou o estereótipo do 'Jeca Tatu', cujos vícios Monteiro Lobato atribuiu aos desarranjos da natureza genética miscigenada — em coro às teorias racialistas em voga nos círculos acadêmicos".

Aquela época, o pai do Sítio do Pica-Pau Amarelo havia criado a figura do caboclo alcoólatra, pobre, doente, ignorante, papudo, feio, molenga e inerte, que morava numa casinha de sapê embrenhada no mato. 

"Poucos apostaram no sucesso desses sertanejos na luta contra as temíveis hordas arianas nazistas. Eles vieram do morro e do engenho, das selvas, montanhas alterosas, pampas, cafezais e seringais", diz.

Durval Lourenço Pereira, por fim, desmistifica alguns mitos populares que foram pregados sobre a participação dos pracinhas na Segunda Guerra: o principal deles sobre a qualidade dos combatentes. 

"Ao contrário do que apregoam certos mitos populares, selecionou-se para o contingente febiano o que existia de melhor e mais digno na grande despensa humana da sociedade brasileira: um grupo de jovens incumbido de intervir, como guerreiros, no destino da humanidade. De nortear uma civilização que perdera o rumo".

Capa do livro 'Guerreiros da Província' e foto de Durval Lourenço Pereira - Divulgação

"O legado deixado pelo expedicionário possui um valor inestimável, tanto militar quanto humanitário", defende. "Para a memória do Exército Brasileiro, em especial, a FEB representa um evento ímpar, quando uma valorosa geração de homens e mulheres não se eximiu de cumprir os seus mais sagrados deveres: a defesa da honra e da liberdade do seu povo".