Relembre o estudo de 2008 que analisou uma das mais peculiares descobertas arqueológicas
Em 2008, durante escavações, foram encontrados vários sepultamentos em Eulau, relativamente perto de Berlim, Alemanha. Segundo os relatórios de campo, foram revelados enterros individuais, com outros enterros de grupo onde é percetível que mais do que um indivíduo foi enterrado ao mesmo tempo.
Durante a escavação, foi possível ter ideias sobre a forma como esses sujeitos morreram e o motivo de sepultamentos conjuntos e tão próximos a nível temporal.
Os enterros em grupo apresentam evidências que apontam para mortes violentas. Um esqueleto tem uma ponta de seta alojada numa das vértebras, outros apresentam fraturas que não curaram, mostrando que ocorreram pouco antes de terem falecido.
O próprio local onde foram feitas as descobertas fornece uma série de pistas que nos ajudam a compreender o cenário à época e o tipo de relações que se criavam. Segundo os responsáveis pelos estudos, a área a que nos referimos é considerada uma das mais férteis da Europa.
Assim, à medida que as pessoas estavam à procura de áreas para se estabelecerem, é natural que se criassem rivalidades, afinal, esses tipos de locais seriam mais apropriados para o fazerem, o que poderia ter contribuído para violência interpessoal.
Através dos sepultamentos, também fora possível avançar com novas ideias relacionadas a uma mudança na organização social, de uma vida comunitária para sociedades com grandes diferenças sociais entre as pessoas.
Um dos pontos-chave da escavação tratou-se da descoberta de uma sepultura com cerca de 4.600 anos de uma família nuclear, ou seja, formada pela mãe, pai e filhos. O DNA extraído de ossos e dentes forneceu as primeiras provas para a família nuclear como estrutura social. O achado consiste em quatro esqueletos (pais e dois filhos) que foram enterrados juntos após terem sido mortos de forma violenta.
Essas pessoas pertenciam à cultura de Corded Ware, cujo nome deriva da sua prática de decorar vasos com cordão torcido. Ao analisar amostras de ossos, os cientistas explicaram que a disposição dos corpos era organizada em grupos familiares.
Foi possível compreender que as crianças que estavam relacionadas com os adultos na mesma sepultura eram enterradas de frente para eles, sendo que, por sua vez, as crianças não relacionadas eram enterradas atrás dos adultos. Havia, portanto, uma noção de relacionamento genético.
O enterro onde se pode encontrar uma família nuclear é diferente do costume do início da era neolítica. Caracteristicamente, os enterros eram feitos em valas comuns de centenas de indivíduos sem que nada os distinguisse entre si.
Durante a mesma escavação e após estudos posteriores, foi ainda possível recolher dados que permitiram saber onde as pessoas tinham crescido, examinando a combinação de diferentes formas de estrôncio nos seus dentes.
A proporção de isótopos de estrôncio depende da dieta de uma pessoa durante a infância e reflete os tipos de rochas dominantes na área. Enquanto os homens e as crianças tinham um perfil de estrôncio que indica que eram criados nas proximidades, as mulheres, claramente chegavam de fora da área.
Joana Freitas é formada em história na vertente de arqueologia pela faculdade de letras da Universidade do Porto e tem por áreas de maior interesse a evolução humana e a pré-história. Fora do campo de formação tem como disciplinas preferidas a antropologia e a paleontologia que no fundo complementam a sua formação de base.
Gosta de conhecer outros lugares, principalmente as suas pessoas, ler e escrever. Embora tenha participado em diversas escavações de vários períodos históricos de diversos países, o local arqueológico que mais marcou o seu percurso e onde esteve presente em várias campanhas diferentes foi castanheiro do vento, um recinto pré-histórico em Vila Nova de foz Côa, em Portugal.