Para Tendayi Achiume, relatora sobre racismo da ONU, projetos de alta tecnologia são feitos às custas de grupos marginalizados
Embora muitos o questionem, o fenômeno do aquecimento global, assim como as mudanças climáticas provocadas por ele, são uma certeza científica. Por conta disso, diversas organizações, governamentais ou não, se reúnem a fim de pensar em estratégias eficazes para o combate dos impactos ambientais provenientes das atividades poluentes da humanidade.
Infelizmente, assim como diversas outras questões com os quais a civilização humana lidou ao longo de vários séculos, o aquecimento global não pode ser superado de forma simples e individual.
Pensando assim, Tendayi Achiume, relatora especial das Nações Unidas sobre Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Relacionada, afirmou em entrevista ao The Guardian que respostas como carros elétricos e reflorestamento de vastas extensões de terra são implementadas "às custas de grupos racial e etnicamente marginalizados e povos indígenas."
Em uma última intervenção antes do fim de seu mandato, Achiume disse que soluções significativas para a crise ecológica não seriam possíveis sem enfrentar o racismo. Mas em uma avaliação sombria das perspectivas para o futuro da humanidade, ela admitiu que era "difícil imaginar" como essa mensagem poderia ressoar com as pessoas que detêm o poder, como informado pelo veículo.
Você não pode pensar que resolve a crise climática e depois atende à justiça racial ou à discriminação racial", disse Tendayi Achiume em entrevista. "O que você precisa perceber é que toda ação tomada em relação à crise ecológica — ambiental, climática e outras — tem implicações de justiça racial e, portanto, toda ação se torna um local para desfazer a subordinação racial."
Em seu relatório final apresentado à assembleia geral da ONU em outubro, Tendayi Achiume abordou a relação entre o racismo e as crises climática e ecológica. Para ela, "foi uma questão levantada desde o início de seu mandato como um dos fatores globais mais importantes na injustiça racial."
"A crise ecológica global é simultaneamente uma crise de justiça racial", escreveu. "Os efeitos devastadores da crise ecológica são desproporcionalmente suportados por grupos racial, étnico e nacionalmente marginalizados… Em todas as nações, esses grupos compreendem predominantemente os residentes das áreas mais atingidas pela poluição, perda de biodiversidade e mudança climática".
Como exemplo, ela menciona as comunidades indígenas que são substituídas, territorialmente, por inovações que deveriam levar a humanidade a uma produção de energia limpa.
"E aí você vê como uma transição verde, a menos que seja explicitamente centrada na justiça racial, pode vir às custas e reproduzir esses tipos de injustiças raciais", pontua.
Por fim, Achiume menciona ser falha a abordagem de superação da crise ambiental a partir de "uma aplicação mais concertada da estrutura capitalista global". Isso porque as próprias empresas que construíram sua riqueza com a destruição do meio ambiente e com as injustiças raciais agora eram confiadas para tentar reverter os danos.
Estamos basicamente novamente tentando lucrar para sair de uma crise que é definida por uma abordagem que pensa que lucrar com a crise é sustentável", finaliza.