Uma análise genética de dezenas de esqueletos da Idade do Ferro revelou que a antiga sociedade celta era organizada em torno das mulheres; entenda!
Publicado em 16/01/2025, às 13h41
Desde 2009, pesquisadores britânicos escavam um antigo cemitério celta conhecido como Duropolis, que foi usado antes e depois da Conquista Romana na região, em 43 d.C.. E uma análise genética realizada recentemente em esqueletos ali desenterrados possibilitou uma descoberta impressionante referente à sociedade celta que viveu na Grã-Bretanha: ela era matriarcal.
A partir da análise do DNA de dezenas de sepulturas, os pesquisadores determinaram a existência de uma comunidade cuja linhagem poderia ser rastreada até uma mulher, além de pontuar que homens se juntavam ao grupo após o casamento, em vez de mulheres se deslocarem.
Esta é a primeira vez que este tipo de sistema foi documentado na pré-história europeia", afirma Lara Cassidy, geneticista humana do Trinity College Dublin e principal autora do estudo, em declaração. "E ele prevê o empoderamento social e político feminino. É relativamente raro em sociedades modernas, mas pode não ter sido sempre o caso".
No estudo, publicado no periódico Nature, Cassidy e sua equipe analisaram os genomas de 57 pessoas enterradas em Duropolis, para investigar mais sobre a estrutura social dos Durotriges, uma tribo celta que viveu na região entre 100 a.C. e 100 d.C.. O estudo é uma colaboração entre pesquisadores do Trinity College Dublin e da Bournemouth University.
Vale mencionar que, historicamente, não se sabe muito sobre o povo que viveu na Grã-Bretanha antes dos romanos. Júlio César até chegou a escrever sobre a tribo Iceni, que inclusive foi governada por uma mulher chamada Boadiceia, e também percebeu que mulheres celtas podiam se casar com vários homens. Porém, foi somente com evidências arqueológicas que estudiosos modernos puderam atestar o alto status e algumas mulheres, como sepultamentos femininos com itens de prestígio.
"Além da arqueologia, o conhecimento da Grã-Bretanha da Idade do Ferro veio principalmente de escritores gregos e romanos, mas eles nem sempre são considerados os mais confiáveis. Dito isso, seus comentários sobre as mulheres britânicas são notáveis à luz dessas descobertas. Quando os romanos chegaram, ficaram surpresos ao encontrar mulheres ocupando posições de poder. Duas das primeiras governantes registradas foram rainhas — Boadiceia e Cartimândua — que comandavam exércitos", explica o Dr. Miles Russell, da Universidade de Bournemouth, em comunicado.
Primeiro, os pesquisadores sequenciaram os genomas dos indivíduos ali enterrados, e a partir disso perceberam que 85% daquelas pessoas eram relacionadas entre si. Mais especificamente, mais de dois terços desses parentes compartilhavam uma rara linhagem de DNA mitocondrial, a U5b1, bem como também apresentavam alta diversidade do cromossomo Y.
A partir desses indícios, foi possível afirmar que a maioria daquelas pessoas compartilhava dos mesmos ancestrais maternos, mas não os paternos.
Com os dados, a equipe de pesquisa conseguiu formular uma árvore genealógica daquele grupo, que começa com uma mulher fundadora e suas quatro filhas, que formaram uma linhagem que abrangeu ao menos dois séculos e várias gerações. Como a maioria dos membros ali enterrados que não compartilhavam o mesmo DNA mitocondrial — transmitido sempre pela mãe — eram homens, as suspeitas foram de que os homens que se casavam com aquelas mulheres e adentravam na comunidade.
"Usando dados genéticos, encontramos múltiplas incidências de pais, um dos quais tinha duas filhas adultas com a mesma mãe. É altamente provável que esses indivíduos fossem considerados maridos de mulheres na comunidade", explica Lara Cassidy ao Live Science por e-mail.
Além disso, também foi possível inferir que, como os homens não tinham evidências de parentesco recente entre si, os antigos celtas "tinham um profundo conhecimento de suas próprias genealogias, o que pode ter sido usado para orientar acordos matrimoniais entre um conjunto de grupos relacionados na região local", conforme pontuam os autores no estudo.
Outro aspecto destacado no estudo é que análises de mais de 150 sítios arqueológicos da Idade do Ferro encontrado pela Europa apresentavam baixa diversidade genética mitocondrial, e alta diversidade do cromossomo Y. Por isso, os pesquisadores acreditam que grupos celtas espalhados por toda a Grã-Bretanha deviam ser organizados em torno de importantes linhagens maternas, em sociedades matriarcais.
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