Historiador Carlos Fico, da UFRJ, analisou áudios inéditos de ministros do Superior Tribunal Militar (STM), registrados entre os anos de 1975 e 1985
Conforme noticiado mais cedo pela equipe do site do Aventuras na História, em coluna do último domingo, 17, no jornal O Globo, a jornalista Miriam Leitão publicou áudios inéditos de ministros do Superior Tribunal Militar (STM), registrados entre os anos de 1975 e 1985, que debatem sobre a tortura durante a Ditadura Militar brasileira.
O material foi analisado pelo historiador Carlos Fico, titular de História do Brasil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que obteve uma cópia dos registros após uma disputa judicial iniciada pelo advogado Fernando Augusto Fernandes em 2006.
Ao jornal carioca, Fico afirmou que os militares faziam “piadas” com as vítimas da Ditadura.
Sobretudo em sessões secretas, esses ministros se sentiam muito confortáveis. Tem falas muito pesadas, grotescas, piadas com vítimas de tortura", conta.
“Esses ministros eram naturalmente inseridos nesse contexto autoritário, nessa ideologia extremista, segundo a qual era preciso reprimir e acabar com a subversão, com o que eles chamavam de subversivo. Em vários momentos, comentários muito inadequados eram feitos. Ouvia coisas dessa natureza, coisa como ‘morreu mesmo e está enterrado’. Isso é uma frase que eu me lembro. Ou o ministro perguntando sobre o réu e falando de uma maneira muito depreciativa dessas pessoas e da circunstância de terem apanhado”, revela.
O historiador explica que decidiu compartilhar os áudios com a jornalista após ela ser ironizada pelo deputado Eduardo Bolsonaro, que debochou do fato de Miriam Leitão ter sido torturada durante os Anos de Chumbo da Ditadura.
"É importante que o estado e que as autoridades se manifestem sempre em defesa dos direitos humanos, e é o que a gente não tem desde a eleição do atual presidente. É preciso sempre, permanentemente, defender os direitos humanos, coisa que o governo Bolsonaro não faz. Em todos os governos, mesmo os mais conservadores, como Collor e Sarney, mais ao centro como o FHC e à esquerda com Lula, todos defenderam os direitos humanos. Tem o ineditismo do governo Bolsonaro, que é péssimo para sociedade porque afloram esses sentimentos de negacionismo", salienta Carlos Fico.
O historiador da UFRJ também destacou um ponto que lhe chamou a atenção: quando os relatos eram feitos contra agentes das Forças Armadas, os ministros do STM se sentiam incomodados. Mas o mesmo não acontecia quando as práticas eram feitas por policiais civis ou militares.
Os ministros tinham consciência de que acontecia, e ficavam muito desconfortáveis quando a tortura era praticada por oficiais militares. Havia esse negacionismo. A ditadura tentou evitar a confirmação da existência de tortura o quanto pode, tanto que o maior número de proibições da censura é de casos de repressão”, completa.
Na manhã de hoje, 18, o vice-presidente Hamilton Mourão foi questionado sobre o assunto na entrada do Palácio dos Bandeirantes. Ao ser perguntado se a divulgação dos arquivos poderia resultar em uma investigação, Mourão respondeu em tom ‘bem-humorado’:
Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô. [risos]. Vai trazer os caras do túmulo de volta?”, disse, conforme relatou o G1.
Para o general da reserva do Exército, o assunto já é parte de nosso passado e não deve ser revirado. "História, isso já passou, né? A mesma coisa que a gente voltar para a ditadura do Getúlio. São assuntos já escritos em livros, debatidos intensamente. Passado, faz parte da história do país".
Por fim, Hamilton Mourão reconheceu que, durante o período, houve excessos de “parte a parte”.
Na madrugada do dia 31 de maio de 1964, os militares assumiram o poder após um Golpe que depôs o então presidente João Goulart. O Brasil viveu sob um regime militar durante 21 anos, até 1985.
Durante as mais de duas décadas, centenas de pessoas foram perseguidas, presas e torturadas — sendo que muitas delas permanecem desaparecidas até hoje. O período também foi marcado pela censura à imprensa e aos artistas, e ao fechamento do Congresso.
Durante o governo de Dilma Rousseff, em 2011, foi estabelecida a Comissão Nacional da Verdade (CNV), que investigou os crimes cometidos por militares durante a ditadura. No relatório final da CNV, publicado em dezembro de 2014, 377 pessoas foram responsabilizadas por crimes cometidos durante o período, como tortura e assassinatos. Além do mais, foi estabelecido o número de 434 vítimas entre mortos e desaparecidos.