Paulo Atto lança Atto em 3 Atos & Memórias da Censura com peças que se relacionam com o momento enfrentado pelo Brasil na ocasião
Em Salvador (BA), na década de 1980, o dramaturgo Paulo Atto escreveu uma trilogia de espetáculos (A Confissão; As Máquinas ou A Tragédia em Desenvolvimento; e Até Delirar / O Banquete) que estava profundamente ligada ao período que o Brasil vivia. O país estava passando pela repressão da ditadura militar e indo em direção à uma transição democrática que culminou na Constituição Federal de 1988.
Os textos dos espetáculos e uma série de memórias, registros de imprensa, fotos, cartazes, convites, folhetos e panfletos, toda efervescência da época, está no livro Atto em 3 Atos & Memórias da Censura (298 páginas, Editora do Teatro Popular de Ilhéus).
A publicação é como uma espécie de inventário emotivo, histórico, dramatúrgico e artístico daqueles anos em que um grupo de atores e artistas vivenciaram a sua produção.
A obra recorre à trilogia inicial do autor para recuperar e contribuir com a história do teatro de grupo na Bahia. Apesar do processo lento e gradual de abertura, o teatro enfrentava a censura.
“Os artistas tinham que lidar com uma relação entre a criação e a Polícia Federal. Não cheguei a ter uma obra censurada, mas tive muitos problemas, utilizei de estratégias para não cair na malha censória, fui inquirido pelos censores sobre cenas de minhas peças, tendo que explicá-las, eles eram muito mal-informados e ignorantes. Era uma relação difícil e às vezes absurda, nonsense. Narro alguns exemplos até ridículos que aconteceram comigo. O livro não é um estudo crítico ou acadêmico sobre a censura, é um testemunho em primeira pessoa de quem viveu aquele período enfrentando todos os desafios”, revela Atto.
Passados mais de 30 anos, os espetáculos se mantêm pungentes, a obra é um testemunho com as origens do dramaturgo e o nascimento de seu grupo de teatro, a Cia de Teatro Avatar. A partir dos anos 1990, o coletivo realizou sucessivas turnês internacionais e participações em festivais.
A proposta é levar o leitor para a atmosfera vivida por Paulo Atto com um memorial afetivo repleto de histórias de bastidores, anotações de cena, reprodução dos programas, anotações da direção, pequenas histórias, cartas, observações sobre ensaios.
O dramaturgo contou como foi a reunião de todos os registros. “Sempre tive uma obsessão pelo registro escrito, tenho os meus cadernos de direção, guardo tudo de uma montagem, pouca coisa me escapa. A ideia de publicar todo o meu trabalho é recente, coincide com a proximidade de completar 40 anos de teatro, um balanço, a maturidade e a velhice mesmo que vai chegando de forma irreversível. Tenho um farto material que ajudou a compor o livro e dar ao público de hoje uma ideia do contexto em que as peças foram realizadas”.
O livro traz curiosidades como uma hilária situação envolvendo maneiras para driblar a censura e evitar cortes no espetáculo. Outra relíquia é uma carta que Paulo Autran escreveu para Atto em 1987 sobre o texto de A Confissão. A partir desta correspondência, nasceu uma relação que perduraria por muitos anos de carinho, amizade e admiração entre os dois.
Atto em 3 Atos & Memórias da Censura é um registro importante para a memória do teatro na Bahia quanto das artes cênicas no Brasil. “Publicar as peças já encenadas é certamente uma maneira de fixar e dar forma ao que ficou registrado apenas em pequenas notas e artigos da imprensa, em instantes fotográficos, na memória e nas sensações daqueles que assistiram ou que fizeram parte dessa história. Cada vez que sai um registro teatral em livro, por mais que reconheçamos que ele não poderá recuperar a obra teatral viva em sua dinâmica, devemos, por outro lado, comemorar que este registro seja feito porque ele contribui com seu exemplo para a memória do fazer artístico teatral”, finaliza Paulo Atto.
A publicação foi ganhadora do Prêmio das Artes Jorge Portugal e tem apoio financeiro do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura e da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Programa Aldir Blanc Bahia) via Lei Aldir Blanc, direcionada pela Secretaria Especial da Cultural do Ministério do Turismo, Governo Federal.
Celebrando os 40 anos de carreira, Atto está em um momento frutífero. Recentemente, o autor venceu o Selo Literário João Ubaldo Ribeiro na categoria de dramaturgia com a peça A Travessia do Grão Profundo. A premiação tem como finalidade o fortalecimento do campo da literatura baiana. Outro projeto em vista é um livro sobre sua relação com Caio Fernando de Abreu (1948 -1996), que iniciou a partir da adaptação teatral do livro Morangos Mofados em 1988.
Atto 3 Atos & Memórias da Censura, Paulo Atto 298 páginas, Editora do Teatro Popular de Ilhéus
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Produtor cultural, diretor teatral e dramaturgo desde 1984. Participou em programas, festivais, seminários sobre artes cênicas e cultura na Alemanha, EUA, México, Rússia, Espanha. Desde 2010 mantém na cidade de Irecê o Núcleo Caatinga da Cia Avatar (grupo criado em 1987 em Salvador) e é o curador do Festival Internacional de Teatro da Caatinga (desde 2012). Foi também curador e diretor artístico do Encontro Internacional de Artes Cênicas, realizado em Salvador por 8 anos que trouxe pela primeira vez o diretor russo Anatoly Vassililev ao Brasil e mais de 200 artistas como François Kahn, Elena Vassina e Tortel Poltrona dentre outros. É membro associado da SGAE – Sociedad General de Autores y Escritores de España desde 2005. É membro fundador das redes: RIA – Rede Ibero-americana de Animação sociocultural, com sede em Salamanca / Espanha e REI – Red Escena Iberoamericana com grupos, festivais e companhias da Argentina, Colômbia, México, Portugal e Espanha.
Grande destaque em sua trajetória foi o espetáculo KAÔ ou primeiro movimento para a origem em 1991, texto e direção de Atto, que circulou por 16 anos em muitos países como Rússia, Espanha, EUA, Colômbia, Equador, México, Dinamarca, Portugal, Venezuela e Brasil. Dirigiu, além de seus próprios textos, as montagens Morangos Mofados de Caio Fernando Abreu, Viva o Povo Brasileiro de João Ubaldo Ribeiro, e diversas montagens inspiradas nos textos de W. Shakespeare como A Terra de Caliban (A Tempestade), A Herança de Macbeth (Macbeth) e Antônio e Cleópatra: o desencontro do olhar, esta última dirigida na Espanha com Grupo Quasar do Principado de Asturias. Na Espanha dirigiu Diosas del Olvido, texto de sua autoria, para a companhia Abrego Teatro de Santander. Atualmente o texto está em turnê com a companhia espanhola Zalatta Teatro de Ilhas Canárias em nova montagem. A sua experiência com os textos do bardo inglês deu origem ao livro Desmontando Shakespeare (em edição bilingue português e espanhol) editado em 2012 pela Editora Terceira Margem de São Paulo. Recentemente publicou Atto em 3 atos & memórias da Censura pela Editora TPI, Ilhéus, Bahia e está em vias de publicação seu mais recente texto, A Travessia do Grão Profundo, que o autor dirigiu em 2019 e foi ganhador do Prêmio Selo João Ubaldo Ribeiro Ano III na categoria dramaturgia, promovido pela Prefeitura Municipal de Salvador através da Fundação Gregório de Mattos.
O diretor e dramaturgo é citado em revistas e livros sobre teatro latino-americano nos EUA como os livros da especialista Beatriz Ryzk, Teatro en América Latina Antologia Crítica e Posmordenismo y teatro en América Latina: Teorias y Prácticas en el umbral del Siglo XXI além de revistas como Latin American Theatre Review. Como escritor e diretor deu palestras no Teatro Nacional de Cuba, no Foro Shakespeare México, na Universidade Lomonosov de Moscou, na Universidade de Coimbra (Portugal), Aula de Teatro da Universidade de Cantábria (Espanha), Universidade de San Francisco (Equador) dentre outras.
Atualmente se dedica ao seu mais novo projeto, um livro que conta sobre sua relação de amizade e a colaboração artística com escritor Caio F. Abreu, no período em que adaptou e dirigiu a obra Morangos Mofados para o teatro, reunindo no volume vasto material sobre esta montagem, informações sobre a adaptação e visão do dramaturgo e de Caio F. sobre o espetáculo e os personagens e ainda material inédito de um longo depoimento/entrevista gravado por Caio na estreia da montagem em Salvador no final da década de 1980.