Acusado de falsidade ideológica, José Eduardo Franco dos Reis alegou à Polícia Civil possuir um "irmão gêmeo" em Londres
O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) denunciou por falsidade ideológica e uso de documento falso um juiz aposentado acusado de manter duas identidades ao longo de 40 anos.
José Eduardo Franco dos Reis, apontado como o verdadeiro nome do magistrado Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, teria ingressado na carreira jurídica e atuado no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) por mais de duas décadas sob uma identidade falsa.
Confrontado sobre a duplicidade de registros, José negou qualquer irregularidade. Em depoimento à Polícia Civil em dezembro do ano passado, alegou que Edward era seu irmão gêmeo, que teria sido separado dele ainda na infância.
Segundo seu relato, após a morte de seu pai, sua mãe revelou que ele tinha um irmão gêmeo, que havia sido doado para outra família. Os dois só teriam retomado contato na década de 1980, quando Edward veio ao Brasil.
José afirmou que o suposto irmão trabalhou no país até se aposentar e depois retornou para Londres, onde residiria atualmente no bairro de West Kensington. Para reforçar sua versão, forneceu às autoridades um endereço e um número de telefone supostamente pertencentes a Edward.
Ele ainda justificou sua ida ao Poupatempo para renovar o RG no nome britânico dizendo que estava atendendo a um pedido do suposto irmão. No entanto, a Polícia Civil descartou totalmente a existência desse irmão gêmeo e considerou o depoimento uma tentativa de ocultar a fraude.
A investigação começou em outubro do ano passado, quando José compareceu a uma unidade do Poupatempo para solicitar uma segunda via do RG no nome de Edward. O sistema de identificação emitiu um alerta ao cruzar suas digitais com as de José, revelando a duplicidade.
O caso foi encaminhado à Delegacia de Polícia de Combate a Crimes de Fraude Documental e Biometria, que descobriu que o suspeito possuía dois RGs, dois CPFs, duas inscrições eleitorais e dois cadastros na Receita Federal.
De acordo com o MP, a identidade britânica surgiu em 1980, quando José, então com 22 anos, obteve documentos no estado de São Paulo apresentando-se como filho de Richard Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield e Anne Marie Dubois Vicente Wickfield. Ele utilizou essa identidade para ingressar na Faculdade de Direito da USP, onde se formou, e depois para ser aprovado no concurso da magistratura em 1995.
Apesar da construção de uma identidade fictícia, José nunca deixou de usar seu nome original. Em 1993, solicitou um novo RG como José Eduardo Franco dos Reis, declarando-se vendedor no centro de São Paulo. Enquanto isso, seguia utilizando a identidade de Edward para atuar como juiz, adquirir bens e manter uma carteira de habilitação ativa.
A farsa, segundo o MP, só foi descoberta devido aos avanços nos sistemas de identificação, que possibilitaram o cruzamento de dados biométricos. A promotoria solicitou o bloqueio de todos os documentos no nome de Edward, além da suspensão da habilitação e do registro de um veículo em seu nome, um Chevrolet Cruze.
Procurado pelo GLOBO, o Tribunal de Justiça de São Paulo informou em nota que não pode se manifestar sobre o caso enquanto não houver condenação e que é vedado aos magistrados comentarem sobre processos em andamento. O caso segue sob sigilo na Justiça.