Mesmo após 53 anos, José Vicente Correa lembra perfeitamente de maus-tratos e torturas sofridas
José Vicente Correa é um operário aposentado que viveu e sentiu na pele um dos momentos mais sombrios da História do Brasil: a Ditadura Militar. Apenas hoje, aos 86 anos, sofrendo com um barulho constante em seu ouvido devido a torturas que sofrera 53 anos atrás, ele decidiu por entrar na justiça a fim de pedir reparação por parte do Estado sobre o que sofreu.
Depois de anos de insistência de seu filho, Sandro, José Vicente foi levado, hoje não só ouvindo um constante zumbido como também com dificuldades para andar, para a Defensoria Pública do Estado de São Paulo em Jaú, onde vive. Lá, foi atendido pelo defensor Bruno Del Preti, que ouviu seu relato e encaminhou o caso.
Em junho de 2022, uma ação de indenização foi protocolada no valor de R$ 200 mil, e ela segue em andamento na Justiça brasileira, de acordo com a Folha de S. Paulo.
Era 29 de janeiro de 1970 quando a casa onde José Vicente vivia, junto a sua esposa, Lourdes, os dois filhos e sua mãe foi invadida por homens armados, durante a madrugada. Acreditando se tratar de um assalto, pegou um revólver que tinha, mas que nunca havia sido usado, e disparou para cima para alertar os homens; até que, aos gritos de "polícia", começaram a disparar para dentro de sua casa.
Por sorte, ninguém foi atingido — exceto que José Vicente tomou um tiro de raspão na orelha direita, que o faz ter uma falha na parte alta dela —, e então ele foi detido. O problema era que os homens, que se identificaram como policiais à paisana, compunham a temível Operação Bandeirantes (Oban), um aparato do Estado que manteve um centro de tortura na zona sul de São Paulo.
Lá, ele, a esposa e um amigo foram atrelados a um processo de "averiguação de terrorismo", mas que, na prática, apenas o submeteu a inúmeras e brutais sessões de torturas psicológicas e castigos físicos.
Ele não sabe dizer exatamente quantos dias ficou detido e sendo torturado, mas relata que os militares lhe faziam perguntas das quais não sabia responder — acreditavam que ele estava envolvido com a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares) —, acreditando todos os dias que poderia morrer a qualquer momento.
Em uma das vezes, em vez de pôr o arame ao redor da minha orelha, enfiaram o fio dentro dos meus ouvidos. Eles estavam doidos e, na pressa, erraram", narrou o aposentado. "Mas eu não podia reclamar senão era soco na cara na hora."
Com a agressão, sentiu seu ouvido tampando, e quando regressou à sua cela, apenas permaneceu deitado, desacordado e machucado. Foi então quando levantou, tempos depois, que percebeu que o chão debaixo de onde estivera seu ouvido estava cheio de sangue. "Eu senti um barulho que até hoje eu sinto… Um barulho que não passa nunca. Que nunca passou", descreve à Folha de S. Paulo.
Posteriormente, porém, José foi transferido para o presídio Tiradentes, onde diz que não sofreu torturas, mas só em outubro daquele ano que finalmente esteve livre de novo e regressou para sua casa.