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Notícias / Porto Alegre

Carta de 1941 revela detalhes da enchente histórica de Porto Alegre: ‘Às escuras’

A carta teria sido escrita por uma jovem que presenciou a tragédia da cidade e serve de comparação para situação atual; leia na íntegra!

por Isabelly de Lima

Publicado em 09/05/2024, às 09h06

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A cidade de Porto Alegre alagada - Acervo/Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo
A cidade de Porto Alegre alagada - Acervo/Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo

As enchentes no Rio Grande do Sul levaram a arquiteta Elenara Stein Leitão a resgatar uma preciosidade familiar. Em 1941, sua mãe, Helena Silva Stein, redigiu uma correspondência à sua irmã narrando minuciosamente os eventos ocorridos durante a grande inundação de Porto Alegre no mês anterior.

O transbordamento de 1941 permanecia como a principal referência de catástrofe natural em Porto Alegre até recentemente, com o nível do rio Guaíba atingindo 4,76 metros. Essa marca foi superada no último domingo, 5, quando o rio alcançou a marca de 5,33 metros. Elenara reside na Avenida Independência, uma área da cidade que escapou dos efeitos diretos da inundação.

Parte da capital gaúcha inundada após chuvas e rio transbordar - Acervo/Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo

Entretanto, da janela de sua residência, ela pode testemunhar áreas inundadas a apenas uma quadra e meia de distância. Nos últimos dias, Elenara tem observado eventos semelhantes aos descritos por sua mãe, que faleceu em 2023 aos 98 anos de idade.

“Minha mãe falava muito da enchente de 1941, que para a gente era algo um tanto fantástico: como a cidade podia ter ficado alagada desta forma?”, diz Elenara ao portal O Globo. “No momento em que o Guaíba ultrapassou a cota de 1941, foi uma sensação difícil de explicar. Nunca pensei que estaria vivendo uma coisa assim. Imagino que ela sentisse isso na época também”.

Pós-catástrofe

A correspondência de Helena Stein foi escrita imediatamente após as enchentes, em 26 de maio de 1941, como resposta a uma carta de sua irmã Flávia, que residia em outra localidade. Na época com 16 anos, Helena descreveu a experiência como "um assunto muito sério", mencionando dias de escuridão, escassez de água, leite e notícias.

Ela descreve uma cidade paralisada, com transporte e comunicações interrompidos, e inúmeras pessoas desabrigadas sendo abrigadas em locais como cinemas e instituições educacionais. Helena detalha que a água quase atingiu o segundo andar do Pão dos Pobres e quase engoliu a Igreja de Santo Antônio, no bairro Partenon.

A carta de Helena escrita em 1941 - Arquivo pessoal de Elenara Stein

Elenara guarda em sua residência um acervo contendo as cartas que sua mãe enviava à sua irmã no sul, documentos que ela considera como registros históricos valiosos, repletos de informações sobre o contexto da época e a vida nas cidades.

São relatos históricos porque contém muitas informações sobre a época e a vida das cidades”, diz a arquiteta. “Minha mãe passou pela Segunda Guerra, guerra fria, pandemia e era guerreira, bonita e muito alegre. Mas tinha síndrome de pânico, o que sempre atribuí às suas perdas da infância”.

Confira a carta completa a seguir:

Porto Alegre, 26 de maio de 1941

Flavinha querida, Saudades!

Respondo com carinho tua querida cartinha de 28 do mez passado e que só me veio às mãos hontem. Imagina! Quasi um mez!

Como se foram de enchente? Aqui em Porto Alegre foi um assunto muito sério! As águas atingiram a Rua da Praia. A zona que mais sofreu foi Navegantes, São João e Menino Deus. Foi até Floresta e Passo da Mangueira.

Tia Maria sahiu de casa. Nós quasi que saímos pois faltou uns quatro metros para chegar aqui em casa! Zilá e Carlos passaram várias semanas aqui, flagelados. A água lá foi um bom pedaço acima do assoalho. Este estragou-se completamente, ficando todo embaulado.

A cidade esteve vários dias às escuras, sem água, sem leite, sem jornal, foi mesmo de assustar! A coitada da Belmira perdeu tudo, tudo...os móveis abriram-se todos, estragaram-se completamente.

Os trens pararam e o telegrafo interrompeu. Estávamos simplesmente isolados do interior. Cinemas, colégios, Faculdade de Medicina e Direito ficaram cheios de flagelados e o governo sustentando todo o pessoal. Flagelados 17.000! O professorado todo dando comida e cuidando deles.

No Pão dos Pobres foi até ao segundo andar, quasi cobriu a Igreja de Santo Antonio. Os meninos sahiram e o prejuízo foi calculado em 5 mil contos!

Dizem que em São Jerônimo foi uma cousa horrorosa! Cachoeira (do Sul), a não ser as lavouras, a cidade não sofreu nada, mas o arroz perderam todo.