Em 1904, França e Inglaterra assinaram o pacto que encerrou séculos de intrigas e ainda criou as bases para a aliança na guerra contra a Alemanha
Há 115 anos, no dia 8 de abril de 1904, era assinada a Entente Cordiale entre os Impérios britânico e francês. O documento, que significa literalmente acordo/aliança cordial, encerrou as disputas coloniais entre os dois países e serviu como base para as Entente Anglo-Russa e Franco-russa, que juntas formarão a Tríplice Entente durante a Primeira Guerra Mundial.
Entenda o caso.
Antes de tudo, é importante entender que Inglaterra e França, no período da Belle Époque, eram impérios coloniais. Suas bases econômicas e sociais estão estritamente ligadas à disputa por territórios na África e Ásia contra outras potências industriais europeias.
Ao mesmo tempo, Inglaterra e França são historicamente inimigos declarados. A Guerra dos Cem anos, a de Nove Anos e a Revolução Americana marcam a disputa entre as duas nações, que sempre se viram como inimigos. Porém, aos pés do século XX, os dois países se uniram em uma trégua, dada a mudança do quadro geopolítico europeu: agora, mais do que diferentes, os países se tornam muito próximos, pois são potências coloniais industrializadas que possuem rixa com a Alemanha e os austríacos e seu projeto totalizante.
Para essa trégua, os dois impérios precisavam rever as questões relativas ao continente africano e as disputas pelo controle dos territórios. O acordo irá tentar ser multilateral e estabelecer um meio termo entre as vontades inglesas e francesas. Para tanto, França reconhece o controle dos britânicos no protetorado do Egito, enquanto Reino Unido reconhece o domínio francês do Marrocos. A Inglaterra oferece ao Império Francês territórios no atual Senegal e na Nigéria, pedindo em troca a quebra com o monopólio produtivo francês da região de Terra Nova, no Canadá. Também é reconhecida a política fiscal francesa na ilha de Madagascar e se divide o território da atual Tailândia.
Com isso, Inglaterra e França eliminam seus pontos de conflito e se permitem uma trégua bélica. A aliança criada em 1904 permitia que os impérios disponibilizassem reforços recíprocos pelo domínio de outros territórios que entravam em conflito com os interesses franco-britânicos no continente, como o plano de travessia dos portugueses ou as dominações alemãs. Com a aliança, também foi permitido o foco dos países no desenvolvimento interno dos exércitos e tecnologia bélica, além do melhoramento das redes industriais e a busca por novos acordos diplomáticos favoráveis. O acordo formaliza um pacto de coexistência pacífica entre os países e seus aliados, reposicionando as peças da política europeia e, no futuro, da guerra.
Portanto, é possível entender o acordo também como parte dos preparativos europeus para a guerra entre potências coloniais cujo fantasma cada vez mais assombrava a política europeia. A Belle Époque foi um período de paz no continente, mas os impérios sabiam da fragilidade deste esforço. O desenvolvimento industrial alemão tinha um claro foco na indústria bélica, assim como a marinha britânica e o exército austríaco. O lançamento de redes diplomáticas entre antigos inimigos faz parte, também, dos esforços pelos preparativos da guerra, que estoura em 1914.
Inglaterra e França, associados ao Império Russo (remanescente do absolutismo moderno, país enorme com gigantesco contingente populacional para as artilharias que tomam à frente na guerra) vão formar a Tríplice Entente, cujo último acordo de constituição ocorre em 1907, e juntos irão combater Alemanha, Áustria-Hungria e Itália na Guerra.