Comidas ricas, exóticas e saborosas do Pantanal podem combinar com essa bebida tão popular
Um dos mais importantes biomas brasileiros, situado nos estados de MS e MT, no Centro-Oeste do Brasil, o Pantanal recebe influências de vários países da região, como Paraguai e Bolívia, principalmente. É ali que se forja a cultura do pantaneiro, com suas múltiplas formações e origens étnicas que, como não poderia deixar de ser, se reflete diretamente na sua culinária — rica, exótica, selvagem e saborosa. O chef Paulo Machado e o sommelier Renan Vieira comandaram esta harmonização.
O Complexo Pantanal abriga uma vasta fauna, com mais de 650 espécies de pássaros e 300 tipos de peixes, uma vegetação igualmente complexa, incluindo a Mata Atlântica, Cerrado, floresta Amazônica e até do Chaco, que regulam estiagens, enchentes e as atividades do homem pantaneiro. Tão diversificada quanto a vegetação e a geografia do Pantanal são os seus habitantes, de etnias indígenas diversas.
Segundo o chef Paulo Machado, as comidas da região são um caldeirão de culturas com influências de partes do Brasil e de países vizinhos, como a Bolívia e o Paraguai. A carne vermelha bovina acompanhada do feijão, do arroz, da farinha e da mandioca faz a refeição típica do pantaneiro, que também tem na pesca outra de suas fontes proteicas. E mais “um tantinho” de legumes e frutas nativas, em compota ou em calda. Para arrematar, a erva-mate, presente como bebida típica, assim como o guaraná ralado e misturado com água.
Para o sommelier Renan Vieira, a harmonização tem uma função agregadora: “O terceiro sabor criado é capaz de quebrar preconceitos, fazer com que as pessoas entendam a versatilidade deste alimento incrível e apresentar um novo mundo de possibilidades”.
“Apesar do nome, trata-se de um bolo de milho salgado que leva queijo, leite, ovos, cebola e fermento. Existem versões diferentes sobre sua origem — parece ser uma derivação do ensopado espanhol ou de um lanche da tarde paraguaio chamado ‘jakaru’. Seja qual for, o fato é que a sopa paraguaia é deliciosa e muito típica da região. Pode ser consumida quente ou fria.”
“Também conhecido como guisadinho, o caribéu é uma receita muito popular na região mais alta do Pantanal, ou seja, em áreas onde se tem o hábito de comer mais carne de sol (charque). Isso porque a altitude diminui significativamente a quantidade dos rios e, consequentemente, a disponibilidade de peixes. Por outro lado, aumenta a oferta de terras, o que estimula a produção de gado. Foi das fazendas sem refrigeração, onde se utilizava muito charque e mandioca, que nasceu este guisado, um dos pratos mais simples e saborosos do Pantanal. Também há receitas que levam abóbora. O caribéu pode ser acompanhado de arroz branco. É o prato preferido da minha mãe, a artista plástica Lúcia Barbosa.”
“Doce tradicional das cozinhas pantaneira e tropeira, bem como do Vale do Paraíba, onde também é conhecida como ‘furrundu’. Em Cuiabá, é amplamente vendido nas lojas de doces. Furrundum é um doce de mamão verde com rapadura, aromatizado com canela, cravo e, geralmente, gengibre ralado, o que entrega sua herança portuguesa. O fato de ser popular até hoje parece ter explicação no aproveitamento da fruta ainda verde, já que o mamão maduro é alimento certo para os pássaros do Pantanal. Tem como companheiro inseparável um pedaço de queijo fresco ou meia cura produzido nas fazendas. O furrundum esquentado fica muito bom com sorvete.”
“Pratos regionais têm ligações muito fortes com nosso paladar afetivo, impossível não lembrar das comidas feitas pela minha avó, por exemplo. Foi muito interessante combinar essas memórias com sabores novos e perceber que, mesmo sendo alimentos vindos de culturas tão distintas, se combinam tão bem.
Todos os pratos dessa harmonização têm sua origem na fazenda, comidas confortáveis feitas com os ingredientes que se encontram por lá. Resolvi escolher cervejas também confortáveis, apostando preferencialmente nas semelhanças e nos equilíbrios das forças. Para quem quiser ousar mais, é possível ainda apostar em belos contrastes — por exemplo, cerveja ácida com notas que remetam a limão com a sopa paraguaia, ou, quem sabe, uma cerveja de estilo americano lupulada, como uma APA, e o Caribéu. Por fim, uma cerveja bastante tostada acompanhando o furrundum.”
Dortmund Export, 5,0% ABV
“Por ser um bolo com base de milho e fubá, usamos uma cerveja leve de álcool e corpo. Mas não podemos esquecer da cebola e do queijo curado, que pedem uma cerveja com o foco um pouco mais maltado. Assim, conseguimos combinar sabores caramelados, como, especialmente, a cebola que fica por cima, fazendo um contraponto ao leve salgado do queijo curado. O conjunto traz uma soma interessante do cereal de malte com o milho e contraste dos dulçores de Maillard com o queijo, perfeitos para uma entrada ou um lanche rápido.”
Red Ale, 6,5% ABV
“Nessa harmonização, precisamos de uma cerveja um pouco mais encorpada, por isso escolhi a Red Ale da Leopoldina, uma cerveja com 6,5% ABV. Suas notas carameladas harmonizam por semelhança com a carne, e também com o molho. A leve tosta contrasta com o salgado do charque, o toque apimentado, que já é suavizado pelo amido da mandioca, fica muito interessante com os moderados lúpulos ingleses desta cerveja. O conjunto traz uma harmonia confortável e equilibrada, capaz de agradar até aos paladares mais desconfiados.”
English Barley Wine, 9,0% ABV
“Para finalizar com chave de ouro, acompanhamos a sobremesa com uma Barley Wine, cerveja bastante robusta e alcoólica, o que ajuda a equilibrar o caramelado intenso da rapadura utilizada neste prato. Suas notas de frutas secas, castanhas e também amadeiradas se somam ao sabor do mamão, gengibre, cravo e canela, produzindo um terceiro sabor mais complexo e intenso, em um final adocicado, frutado e com toques de especiarias, que fica difícil saber onde começa o doce e onde acaba a cerveja. Uma explosão de sensações.”
Publicado pela Revista da Cerveja.
Por Emílio Chaga