Durante grande parte da Segunda Guerra, nazistas ocuparam as Ilhas do Canal e episódio, até os dias atuais, gera inúmeras controversas
Em 30 de junho de 1940, a Alemanha nazista tomou as Ilhas do Canal, no Canal da Mancha, mantendo a ocupação durante a maior parte da Segunda Guerra Mundial. A libertação aconteceu em 9 de maio de 1945.
Assim, a Ilha de Alderney — com cerca de 5 quilômetros de comprimento por 2,5 de largura —, que tinha por volta de 1.400 residentes, foi evacuada em poucos dias. Apesar de poucas pessoas, o episódio foi traumático, conforme o artista e escultor Piers Secunda ao The Guardian.
As pessoas foram instruídas a matar seu gado e animais domésticos e a fazer uma única mala. Eles não tinham ideia de quando, se é que algum dia, voltariam", explica.
Em outubro de 1941, Hitler teve a ideia de transformar a ilha em uma "fortaleza inexpugnável"; numa tentativa de impedir uma possível invasão dos Aliados. Para isso, ordenou que prisioneiros fossem levados para Alderney, onde ficariam 'responsáveis' pela construção de fortificações de concreto e campos de trabalho — incluindo dois campos de concentração que seriam administrados pela SS.
Durante muito tempo, se debateu o número exato de pessoas levadas para lá, onde viveram em condições brutais. Estima-se que o grupo era formado por pessoas de 27 nacionalidades, entre prisioneiros de guerra e civis russos, poloneses e ucranianos; além de judeus franceses e prisioneiros políticos alemães e espanhóis.
O oficial da inteligência britânica Theodore Pantcheff, ainda ao Guardian, esclareceu que os prisioneiros vivam a base de dietas de fome em casernas de madeira cercadas por arame farpado.
Eles faziam 12 horas de trabalho pesado por dia, às vezes mais, com intervalo ao meio-dia, variando de 10 minutos a meia hora... isso sete dias por semana", contou.
"Os trabalhadores foram espancados pelas ofensas mais triviais, contra os rígidos regulamentos, como deixar de executar um movimento de broca corretamente ou tentar adquirir comida extra da lata de lixo", seguiu Pantcheff.
Theodore ainda relatou que um oficial alemão ofereceu aos soldados um "bônus de 14 dias de licença, comida e bebida extras aos guardas da SS para cada cinco prisioneiros mortos". Secunda corroborou com a informação: "É muito fácil ver por que os prisioneiros seriam colocados em frente a uma parede e fuzilados em grande número".
Mas durante muito tempo, repercute o The Independent, os ocorridos em Alderney geraram controversas entre residentes e historiadores, que nunca chegaram a um concesso sobre o número de prisioneiros, trabalhadores escravizados e pessoas que foram mortas pela ocupação nazista na ilha.
Enquanto uma investigação oficial pós-guerra afirmou que 389 pessoas haviam morrido por lá, há quem afirmava que Alderney teria sido uma espécie de 'mini-Auschwitz', onde 40 mil pessoas teriam sido executadas. Mas as discordâncias estão prestes a acabar.
Uma revisão encomendada no ano passado por Lord Eric Pickles, Enviado Especial do Reino Unido para Questões Pós-Holocausto, teve como objetivo dissipar teorias de conspiração e desinformação sobre a ilha de Alderney. Os resultados foram publicados no último dia 22 de maio, no site oficial do Governo Britânico.
O novo relatório concluiu que mais de 1.000 pessoas foram mortas durante a ocupação nazista de Alderney durante a Segunda Guerra Mundial, mas rechaçou o status da ilha ser uma "mini-Auschwitz".
Uma análise feita por um painel internacional de peritos forneceu insights sobre o chocante número de prisioneiros e trabalhadores que morreram na Ilha do Canal entre 1941 e 1945. O grupo concluiu que entre 641 e 1.027 pessoas, que incluíam judeus, prisioneiros de guerra e alguns ciganos, morreram em consequência de maus-tratos na ilha.
Apesar das condições atrozes e das execuções brutais que aconteceram por lá, os pesquisadores acrescentaram que Alderney não constituía uma "mini-Auschwitz".
O Painel de Revisão de Especialistas de Alderney também estimou o número mínimo de prisioneiros ou trabalhadores enviados para lá: entre 7.608 e 7.812 pessoas — até então, acreditava-se que era algo em torno dos seis mil.
Os trabalhadores foram levados pelos nazistas de diversos países da Europa, sendo alojados em campos que partilhavam muitas semelhanças com os da Europa continental — onde as pessoas foram sujeitas as condições de vida e de trabalho insalubres e cruéis.
Além de buscar dissipar as teorias da conspiração e fornecer números mais precisos sobre os que perderam a vida na ilha, o relatório também visa trazer justiça para aqueles que tiveram suas vidas ceifadas e garantir que este período da história, e o Holocausto, sejam "lembrados de forma completa e precisa".
Ao Daily Mail, o Rabino Chefe Sir Ephraim Mirvis disse que "as conclusões da revisão são um desenvolvimento significativo e bem-vindo. Ter um relato oficial deste elemento angustiante da história da ilha é vital".
"Isso nos permite lembrar com precisão os indivíduos que sofreram e morreram tão tragicamente em solo britânico. Marcar os locais relevantes será agora uma medida adequada a tomar, para garantir que esta informação esteja amplamente disponível", prosseguiu.
O novo relatório também determinou o motivo pelos perpetradores alemães não terem sido julgados pela Grã-Bretanha pelos crimes de guerra cometidos na Ilha; apontando que uma investigação foi realizada em Alderney imediatamente após o fim do conflito.
Entretanto, como a maioria das vítimas era da URSS, o caso acabou sendo repassado aos russos. Em troca, os alemães que assassinaram militares britânicos em Stalag Luft III durante a 'Grande Fuga' foram entregues à Grã-Bretanha. A revisão aponta que a União Soviética acabou não acompanhando o caso Alderney e, portanto, foi responsável pela falta de punição.
"Embora os acontecimentos que tiveram lugar em Alderney não se comparem em escala com outras partes da Europa, é uma parte angustiante da história da Ilha que a sua comunidade continua a lembrar e a celebrar", apontou o Presidente dos Estados de Alderney, William Tate.
"Em nome dos Estados de Alderney e da nossa comunidade, gostaria de expressar a minha profunda gratidão a Lord Pickles e ao Painel de Revisão pela sua dedicação na resolução de uma questão importante que tem sido objeto de muito debate durante muitos anos", prosseguiu.
A revisão deixa clara as condições terríveis que as pessoas que foram trazidas para a Ilha tiveram de suportar e como as suas vidas foram baratas para as forças de ocupação", continuou. "Os bravos ilhéus que regressaram a casa em 1945, tendo sido evacuados em 1940, viram em primeira mão a devastação que tinha sido causada na sua casa na ilha".
"Como comunidade, nunca esqueceremos o sofrimento que estas pobres almas suportaram e a trágica perda de vidas, resultante do comportamento insensível e desumano das forças de ocupação", finalizou.