Fundadora do feminismo moderno, Simone de Beauvoir viajou com Jean-Paul Sartre para o Egito e Israel, e se tornou defensora do Estado Judeu
Luiz Nazario* Publicado em 19/12/2023, às 15h00
Em 1967, a escritora Simone de Beauvoir, fundadora do feminismo moderno, autora da famosa frase "não se nasce mulher, torna-se", tão incompreendida pela extrema-direita, visitou, com seu companheiro Jean-Paul Sartre, o Egito e Israel com uma curiosidade enorme pelos dois países.
Os filósofos engajados lançaram então o famoso dossiê dedicado ao conflito árabe-israelense de 'Les Temps Modernes', publicado em maio de 1967 no número duplo 253 da revista.
As repercussões da viagem a Israel foram recolhidas no raro volume 'Visita a Israel. Crônicas' (1967) publicado em Montevidéu pela pequena editora Mordejai Anilevich. Em seu último livro de memórias, 'Balanço final' (Tout compte fait, 1972), Simone fez um relato precioso da viagem, que foi bem resumido por seus biógrafos Claude Francis e Fernande Gontier em 'Simone de Beauvoir' (1985).
Em 1975, Simone que, desde o Prêmio Goncourt, não havia mais aceitado prêmio ou honraria, fez questão de ir a Israel receber o Prêmio de Jerusalém. No mesmo ano, no Círculo Bernard Lazare, em Paris, a escritora proferiu a conferência Solidária a Israel. Um apoio crítico, onde deixou clara sua posição em defesa do Estado Judeu.
Desprovida de inclinação religiosa, Simone não baseava os direitos dos israelitas sobre sua presença de outrora na terra nem sobre a tradição, mas, como o fizera Bertolt Brecht em 'O círculo de giz caucasiano', sobre o fato de que a terra "pertence a quem a torna melhor", ou seja, de quem a trabalha:
"Há muito tempo que os israelenses trabalham essa terra e especialmente desde que eles constituíram seu Estado. Tiveram talvez mais facilidades para trabalhar suas terras, mas foram os que a trabalharam, que se enraizaram nela, fundaram famílias, que a elas se vincularam e, precisamente pelo seu trabalho, por tudo o que nela fizeram, pelas crianças que sobre ela criaram. E para mim, não tenho nenhuma necessidade de procurar outras razões. Essa é a razão fundamental pela qual eles têm o direito de viver sobre essa terra, e já não novamente como uma minoria mais ou menos oprimida, ou em todo caso como uma minoria, mas de aí viver se sentindo em casa, sobre uma terra que lhes pertence."
Para Simone de Beauvoir, a razão fundamental pela qual os judeus tinham o direito de viver em Israel era o terem tornado a Palestina habitável. Eles compraram lotes e propriedades, drenaram pântanos, irrigaram desertos, criaram jardins e laranjais, edificaram cidades que se tornaram cartões postais, defenderam seu direito de existir nas guerras que lhe fizeram e muitos dos melhores jovens que ali nasceram morreram por sua pátria. Não se nasce Israel, torna-se. É difícil para os antissemitas aceitarem que os judeus conquistaram com sangue, suor e lágrimas uma terra que se tornou sua.
*Luiz Nazario é historiador do cinema, crítico de cultura e escritor, com décadas de colaboração na imprensa paulista, é Professor Titular da Escola de Belas Artes da UFMG. Seu texto foi proporcionado pela StandWithUs Brasil, instituição que trabalha para lembrar e conscientizar sobre o antissemitismo e o Holocausto, de maneira a usar suas lições para gerar reflexões sobre questões atuais.
Um ano depois: Brasileiro relembra ataque do Hamas em rave
A história por trás das músicas compostas por judeus durante o Holocausto
Os bastidores do documentário que registrou os Jogos Olímpicos em solo nazista
Berlim, 1936: Hitler usou os Jogos Olímpicos como propaganda
A origem do termo antissemitismo
Há 37 anos, morria Primo Levi, testemunha do Holocausto