Poucas coisas salvaram mais vidas — e fizeram mais pelo conforto humano — que a modesta peça em seu banheiro
Bruno Lazaretti Publicado em 26/03/2018, às 07h00 - Atualizado às 16h43
Gravidade, inércia, ação e reação já estavam explicadas nas melhores livrarias de Londres em 1687, enquanto a cidade inteira cheirava a excremento humano - as valetas de rua, estagnadas de fezes e urina, atraíam moscas, ratos e outras pragas. A civilização esperou 6 mil anos para que Isaac Newton publicasse as leis da física, mas teve de aguardar mais um século para que Alexander Cumming patenteasse a primeira privada, em 1775. A Inglaterra, centro e vanguarda do "mundo civilizado", foi o império do penico e da cloaca. A estrutura mais parecida com um esgoto era o rio Tâmisa, que recebia com as chuvas o lixo abandonado. Cólera e febre tifoide eram só algumas das enfermidades comuns por falta de saneamento - em Londres ou em qualquer lugar. "Além das bactérias, os dejetos também podem transmitir vírus, como o rotavírus e o da hepatite A", diz o infectologista Stefan Cunha Ujvrai.
A dificuldade por trás dessa "demora" não foi tecnológica, mas lógica. Sem a assimilação entre doenças e o tratamento inadequado dos excrementos, avanços e retrocessos na área sanitária revezavam-se à revelia da cronologia histórica. Os romanos tinham sistemas exemplares no século 4, mas, na Idade Média, o hábito nas cidades europeias era esvaziar os penicos pela janela. Newton teve sorte com aquela maçã... Até o século 15, o mais comum era promover "o despejo" do andar superior da casa. Em Paris, antes, gritava-se "Água vá!".
O vaso sanitário conectado a uma rede de esgoto subterrânea ficou popular só a partir do século 19. "Foram as cidades industriais lotadas da Inglaterra Vitoriana que ergueram a privada moderna, especificamente por causa das epidemias crônicas de cólera", afirma Julie Horan, professora de educação comparada na Universidade da Virgínia. Mas o herói dessa revolução foi mesmo o reformista inglês Edwin Chadick, que, em 1842, relacionou doenças como aquela ao indevido tratamento dos excrementos humanos. Uma conclusão aparentemente mais simples e menos importante do que "toda partícula de massa no universo atrai outra". Bem, você não pensaria assim se tivesse de limpar sua própria latrina.
Momentos peculiares da história da higiene
► Da latrina para a sala de Jantar: Os banheiros romanos eram conhecidos pela higiene, mas não pela intimidade. Tratava-se de salas com fileiras de assentos de pedra instaladas sobre um canal de água corrente. Para se limpar, esponjas. Individuais. Mas, longe de serem lugares indesejados, as latrinas públicas de Roma eram pontos de encontro, ótimos para bater papo. Com sorte, conseguia-se um convite para jantar, como mostram os versos do poeta Marcial, do século 1.
► Está na Bíblia: No Deuteronômio, Moisés instrui seu povo a designar um lugar fora do acampamento para se aliviar" e "fazê-lo equipado de uma pá para cavar um buraco e enterrar seu excremento". Além das perguntas indiscretas que decorriam desse costume ("Aonde vais com essa pá, Josué?"), esses "aterros" permitiam uma sobrevida de bactérias e ovos de parasitas, que acabavam protegidos do sol. Assim, quem visitava a "área designada" transportava os germes e parasitas de volta ao acampamento.
►Limpa com jornal: O papel higiênico só surgiu em 1857. Era tratado com aloe e estampado com o nome do inventor, Joseph Gayetty. Antes disso, exceto os imperadores ming, que, em 1391, na China, tinham papéis enormes e perfumados para a finalidade, qualquer pessoa recorria à criatividade. Valiam água, grama, pedregulhos, sabugos de milho, a mão esquerda... Mais tarde, jornais e catálogos impressos tomaram a dianteira. Nos EUA, em 1792, o Farmer’s Almanac passou a perfurar seus exemplares para que o livreto com previsões de chuvas e dicas de agricultura fosse pendurado nas outhouses, cabines sanitárias da zona rural. Assim, era lido e tinha outras funções...
► Multiuso: O uso medicinal de excreta humana aparece periodicamente na história. Um poema do romano Caius Vallerius Catullus, do século 1 a.C., critica um habitante da Celtibéria (atual Espanha) pelo hábito de usar urina como "creme dental". Escrituras hindus pregam que um bom lutador deve defecar pouco porque isso é sinal de que é capaz de digerir tudo o que come.
Quem são as mulheres que foram casadas com Donald Trump?
Ainda Estou Aqui: 5 coisas para saber antes de assistir ao filme
Gladiador 2: Até que ponto o filme se baseia na história real romana?
Anticítera: Relembre a descoberta de um dos objetos mais misteriosos da História
Gladiador 2: Conheça a história de Lucius, protagonista do filme
Confira 5 gladiadores que ficaram famosos no Império Romano