Em 1961, tanques soviéticos e norte-americanos ficaram a menos de 50 metros um do outro; conflito foi resolvido após conversa entre JFK e Kruschev
Ricardo Lobato* Publicado em 28/12/2024, às 11h00
Hoje abordaremos a Crise de Berlim (1961), o episódio da Guerra Fria em que tanques soviéticos e norte-americanos ficaram a menos de 50 metros um do outro e que, assim como muitas contendas geopolíticas, começa e termina sem vítimas fatais — no entanto, com tensão extrema.
Os dois protagonistas da crise centrada no coração da Guerra Fria, onde leste e oeste se encontravam, eram dois dos gigantes do século 20: Nikita Kruschev, o líder máximo da União Soviética, e John F. Kennedy, o presidente dos Estados Unidos. Tendo o auge do conflito em outubro de 1961, foi em junho daquele ano, quando eles se encontraram em Viena, que a coisa começou a ir mal.
Kruschev era uma "velha raposa" que, além de ser bem mais velho que a sua contraparte, estava no jogo geopolítico desde a Revolução de 1917. Sobreviveu aos expurgos de Stalin nos anos 1930 e liderou tropas na Segunda Guerra contra os alemães.
Com essa vasta experiência, não via no jovem presidente dos EUA, que possuía pouco mais de 40 anos, um rival à altura. Para mais, cada um simbolizava a personificação do que pregava seus regimes: Kruschev era um homem do campo que agora liderava a URSS e Kennedy era o filho da elite estadunidense que se tornara presidente dos EUA.
Em Viena, o soviético resolveu testar o norte-americano e deu um ultimato sobre um ponto que, há algum tempo, estava aborrecendo a liderança em Moscou: Berlim. A exemplo da Alemanha, a antiga capital do Terceiro Reich fora dividida entre as quatro principais potências vencedoras da Segunda Guerra: União Soviética, Estados Unidos, Reino Unido e França.
Um ponto mal resolvido na Conferência de Potsdam, ocorrida em 1945, era o que aborrecia os russos: a decisão de que todo o pessoal Aliado teria livre trânsito em qualquer uma das quatro zonas de ocupação.
O problema é que capitalistas e socialistas se aproveitavam disso para infiltrar espiões do outro lado. Como se não fosse suficiente, em 1949, com a criação da Alemanha Oriental (DDR, na sigla em alemão), os alemães orientais, apoiados por Moscou, fixaram a capital em Berlim, enquanto os ocidentais mudaram sua capital para a velha cidade imperial de Bonn.
Kruschev demandou que Kennedy retirasse todo o pessoal militar na OTAN de Berlim e que esta se tornasse uma cidade reunificada. Vendo que não podia demonstrar fraqueza — e que aquilo poderia complicá-lo politicamente —, sua resposta foi um simples "não".
Quando voltou para casa, Kruschev deu aval para aquilo que os alemães orientais há muito ansiavam: a construção de uma barreira física que dificultasse a livre circulação, não apenas do pessoal Aliado, mas de todos os cidadãos. É assim que nasce o famoso Muro de Berlim — uma curiosidade é que seu nome oficial era 'Muro de Proteção Antifascista'.
Mas a nossa história vai além, pois não foi a criação da barreira, mas sim a tentativa de se continuar seguindo a Declaração de Potsdam, que elevou a tensão. Com o Muro, os Aliados Ocidentais decidiram criar seus postos de controle de fronteira, como o famoso "Checkpoint Charlie", com simples cabanas, e não com toda a segurança típica de um posto fronteiriço — a ideia era mostrar que eles não consideravam aquilo propriamente um limite territorial, mas uma "fiscalização de rotina", ao contrário do outro lado, onde os guardas da Alemanha Oriental estavam fortemente armados.
E foi justamente num evento "rotineiro" que a situação esquentou. O diplomata estadunidense E. Allan Lightner tentou cruzar para Berlim Oriental para ir à ópera e foi parado e revistado pela polícia da Alemanha Oriental — algo que violava os princípios da Declaração de Potsdam. Quatro dias depois, outro diplomata estadunidense tentou cruzar e também foi parado pela polícia. As tropas dos EUA interviram e escoltaram o diplomata até seu destino, retornando depois para Berlim Ocidental.
O general da reserva e conselheiro presidencial, Lucius D. Clay, que viajara a Berlim a pedido de Kennedy para observar a situação, conversou com os soviéticos para que estes controlassem os alemães orientais. Mas a resposta foi que a polícia da DDR estava apenas fazendo seu trabalho diante da provocação norte-americana.
Quando um terceiro diplomata tentou passar para o lado oriental, veio acompanhado de tanques e da Infantaria do Exército dos EUA. A polícia da DDR ficou atônita ao ver aquilo e chamou ajuda. Logo, 33 tanques T-55 do Exército Vermelho apareceram e ficaram no caminho dos blindados norte-americanos.
A situação, como é de se imaginar, esquentou de vez, dando a sensação de que, ali, a Terceira Guerra Mundial iria começar. Diante de tamanha tensão, escalões de comando cada vez mais superiores foram sendo acionados até chegar ao Kremlin e à Casa Branca.
Nem Kruschev nem Kennedy queriam começar uma guerra direta, ainda mais por conta de um atrito em Berlim. Mas como resolver aquilo tudo sem demonstrar fraqueza? Kennedy sugeriu que os soviéticos recuassem e logo depois suas tropas fariam o mesmo.
Reza a lenda que Kruschev teria perguntado a Kennedy se ele jogava xadrez. Quando o norte-americano disse "sim", o russo replicou: "uma jogada de cada vez". E assim foi. Kruschev tirou o primeiro T-55, depois Kennedy tirou um dos seus e sucessivamente até que todos tivessem saído daquele "quase campo de batalha".
Passados mais de 60 anos da Crise de Berlim, e quase 35 anos da queda do Muro, o mundo hoje possui mais barreiras e mais conflitos que na Guerra Fria. Episódios como esse são um alerta de que, quando dois arqui-inimigos querem, e têm um pingo de lucidez, eles podem, sim, manter a paz. Como teria dito Kennedy meses depois: "Não foi uma solução muito boa, mas, com certeza, foi melhor do que uma nova guerra".
*Ricardo Lobato é sociólogo e mestre em economia, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro e consultor- Chefe de Política e Estratégia da Equilibrium – Consultoria, Assessoria E Pesquisa @Equilibrium_cap
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