A técnica de perfuração craniana tem seu primeiro registro há 8 mil anos — e influenciou tratamentos modernos de hemorragia
Wallacy Ferrari Publicado em 14/12/2020, às 13h33
Ao longo dos séculos, as práticas humanas em ações cotidianas visaram melhorar o comportamento, alimentação, segurança e, principalmente a saúde, evoluindo práticas nos cuidados de acordo com o avanço tecnológico.
Contudo, se engana quem imagina que interferências médicas no corpo humano iniciaram de pouco a pouco, dificultando as operações gradativamente. O mais antigo procedimento cirúrgico conhecido na história é a trepanação.
Trata-se de uma singular técnica que fazia orifícios no crânio, os abrindo cuidadosamente para acessar o cérebro como se fosse uma caixa de botões, visando "tratar ferimentos" e "doenças mentais".
As perfurações, feitas com o auxílio de um instrumento pontudo com uma rosca, semelhante um saca-rolhas, permitia a penetração em um círculo perfeito, diferente de buracos decorrentes de traumas.
Os mais antigos registros arqueológicos beiram 8 mil anos, sendo encontrados em civilizações pré-colombianas e nas primeiras civilizações europeias, porém, com o aprimoramento da técnica.
As primeiras civilizações utilizavam pedras pontudas e lâminas de obsidiana, de maneira mais obstrutiva. Quando humanos passaram a manipular metais, a trepanação adquiriu sua forma mais conhecida.
A arte
Um dos principais momentos da trepanação partiu do grego Hipócrates, considerado o pai da medicina. De acordo com um artigo do neurocirurgião Graham Martin no Journal of Clinical Neuroscience, o grego viajou até a França por volta de 400 a.C., quando descobriu que o procedimento já acontecia regularmente há séculos, passando a ser integrado em sua rotina médica.
A justificativa europeia era de que o método poderia aliviar a pressão sanguínea cerebral, eliminar possíveis "manifestações demoníacas" ou, simplesmente, quando o médico achasse válido.
Na América do Sul, no entanto, a definição do uso era simples e direta; trepanação tratava as dores de cabeça — também sem embasamento científico.
De acordo com a revista Galileu, o auge dos registros da trepanação foi no século 15, quando a cirurgia foi associada à cura dos problemas mentais. No entanto, apenas a perfuração era feita, sem nenhuma manipulação cerebral, afirmando que o pedaço do osso era uma espécie de "pedra da loucura", de cunho sobrenatural.
Na modernidade
O registro mais recente de trepanação sendo realizada com os intuitos propostos na antiguidade foi realizado em 1965, pelo bibliotecário holandês Bart Huges.
Expulso da escola de medicina na Universidade de Amsterdã, fez questão de defender a tese de que a perfuração equilibraria o fluido cérebro-espinhal com a proporção de sangue, melhorando a funcionalidade do cérebro.
Dessa maneira, ele utilizou uma broca de dentista operada com um pedal e realizou um furo no crânio, afirmando que não apenas foi indolor, mas documentando a perfuração em vídeo com o auxílio da diretora de cinema Amanda Feilding. O rapaz costurou a pele e viveu por mais 39 anos, sem apresentar queixas com o buraco.
Na medicina moderna, uma versão mais segura da trepanação foi adaptada e é utilizada em casos de emergências médicas; a craniotomia também realiza um furo no crânio, mas é utilizada para interromper hemorragias cerebrais com drenagens.
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