Prisioneiro de guerra alemão, Gärtner fugiu para não voltar a sua terra natal e sustentou uma identidade falsa por 40 anos
Fabio Previdelli Publicado em 02/08/2020, às 08h00 - Atualizado em 22/12/2021, às 08h00
Quando a Segunda Guerra Mundial estava quase no fim, já em 1945, os prisioneiros de guerra alemães que haviam passado os últimos anos do conflito em cativeiro estavam se preparando para voltar para casa.
Entretanto, a ideia não agradou muito Georg Gärtner, que ficou aterrorizado com o pensamento de ser repatriado para sua cidade natal, que na época era ocupada pela União Soviética.
Afinal, as forças de ocupação soviéticas eram reconhecidas por sua “generosa” retribuição a ex-membros da Wehmacht e da SS. Além do mais, sua terra natal já não existia mais. Nascido em Schweidnitz, na Baixa Silésia, Gärtner viu sua cidade ser anexada pela Polônia e receber o nome de Świdnica.
Mas sair do continente como fugitivo era quase impossível. Georg também sabia muito bem que o que o esperava de volta na Europa era uma paisagem interminável de cidades arrasadas, pobreza, doenças e dificuldades, tudo sob o domínio do vencedor.
Assim, decidiu se arriscar nos Estados Unidos, que haviam sido poupados da devastação da guerra e onde a economia havia progredido, devido à expansão de sua indústria para o esforço de guerra.
Em 22 de setembro de 1945, Gärtner apostou no tudo ou nada. Depois de observar e estudar o horário dos trens de carga que passavam perto do campo de prisioneiros, decidiu usar um deles como meio de fuga. Rastejando sob dois portões, aguardou ansiosamente o trem para poder pular nele e escapar foragido.
A locomotiva chegou exatamente como havia calculado e nela embarcou com destino a Califórnia. Lá, passou os anos seguintes trabalhando em vários empregos físicos, ocultando sua identidade. Gärtner trabalhou como lenhador, lavador de pratos e operário.
Durante esse período, além de aperfeiçoar sua pronúncia americana, também adotou uma identidade falsa: Dennis F. Whiles, conseguindo até mesmo obter um cartão de segurança social.
Enquanto isso, sua fuga não passou despercebida pelas autoridades. Imediatamente depois de saber do seu desaparecimento, o Exército dos EUA lançou uma extensa pesquisa que durou — embora com menor intensidade — até 1963. Cartazes com seu rosto foram distribuídos em agências de correio em toda a América.
Entretanto, isso não o impediu de conhecer Jean Clarke, com quem se casou em 1964 — adotando os dois filhos do antigo casamento da esposa. Para ela, assim como para todas as outras pessoas que conhecia, Georg dizia que havia sido criado em um orfanato após a morte de seus pais, que faleceram em um trágico acidente de trânsito.
Mas isso quase não aconteceu, já que, em 1952, sua máscara quase caiu. Isso porque, naquela ocasião, o sujeito trabalhava como instrutor de esqui e contribuiu em uma expedição que resgatou passageiros de um trem que estava preso na Serra Nevada durante uma horrível nevasca.
Com isso, a Revista Life acabou tirando uma foto dele e do grupo de resgate e a publicando logo em sequência. Paralelamente a isso, cartazes com sua foto eram distribuídos em diversas agências dos correios. Por 40 anos, Gärtner foi listado como uma das pessoas mais procuradas pelo FBI.
Passado o susto, conseguiu manter sua nova identidade por 40 anos e só a revelou quando sua esposa estava prestes a deixa-lo, pois acreditava que o marido não era quem ele dizia ser. Para salvar seu casamento, decidiu contar todos os detalhes de sua verdadeira história. Jean pediu para que publicasse seu relato e se libertasse desse fardo.
Assim, ele entrou em contato com o professor de história Arnold Krammer, uma autoridade conhecida na história dos 371.000 prisioneiros de guerra alemães mantidos nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial.
Juntos, publicaram o livro "Hitler's Last Soldier in America" ("O Último Soldado de Hitler na América", em tradução livre), em 1985. Georg também apareceu no Today Show, onde foi entrevistado por Bryant Gumbel.
A revelação de sua real identidade gerou uma enorme discussão pública sobre se um prisioneiro fugitivo deveria ou não ser preso e julgado. Afinal, ele não podia ser declarado imigrante ilegal, já que havia chegado aos Estados Unidos contra seu próprio livre arbítrio.
Além disso, também não poderia ser enviado para julgamento como um prisioneiro de guerra fugitivo, pois a guerra já havia acabo quando ele desapareceu.
Portanto, foi decidido que Georg Gärtner deveria receber cidadania americana e ser libertado de todas as acusações em potencial em relação à sua fuga do campo de prisioneiros.
Embora o debate tenha terminado nos anos 1980, devido a atrasos burocráticos, ele só recebeu sua cidadania americana em 2009. Quatro anos depois, em 2013, Georg Gärtner morreu em Loveland, Colorado, aos 92 anos.
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