Charles Manson - Getty Imagens
Charles Manson

O sombrio e perturbador legado musical deixado por Charles Manson

Usando o Álbum Branco dos Beatles como 'motivação' para seus crimes, não só foi influenciado pela música como também influenciou o cenário musical

Fabio Previdelli Publicado em 11/08/2024, às 14h00

Em 9 de agosto de 1969, a atriz de cinema grávida Sharon Tate e outras quatro pessoas foram brutalmente assassinadas por membros da Família Manson. Na porta da frente da 10050 Cielo Drive em Los Angeles, onde o crime ocorreu, a palavra 'PIG' ('Porcos') foi escrita com sangue. 

Na noite seguinte, junto aos corpos de Leno e Rosemary LaBianca, na Waverly Drive, foram escritos as palavras "RISE" ('ascensão') e 'DEATH TO PIGS' ('Morte aos porcos'). Já na geladeira do local foi encontrado as palavras 'HEALTER SKELTER' (nome de uma das faixas do Álbum Branco do Beatles, lançado em 1968). 

As palavras "Helter Skelter" escritas incorretamente com sangue por membros da seita / Crédito: Reprodução/ Cena do filme 'Helter Skelter' (1976)

Charles Manson, líder do culto, planejava que a série de assassinatos fossem atribuídos aos afro-americanos, o que instigar uma guerra racial apocalíptica que o faria ascender ao poder. 

+ 5 fatos sobre a mente perturbada de Charles Manson

A ideia perturbadora teria sido extraída das entrelinhas do já citado álbum dos Beatles; que tinha suas ideias distorcidas por Manson em seu culto, que ainda misturava a filosofia hippie, a cientologia, livro bíblico do Apocalipse e até mesmo escritos de Adolf Hitler, aponta o g1.  

Além de seus crimes brutais e de sua seita que ganhou nome de Família, Charles Manson também teve grande influência no cenário musical de sua época; entenda!

Os Beatles e Manson

Quando o Álbum Branco dos Beatles foi lançado, Charles Manson o tocou repetidamente no Spahn Ranch, então sede decadente da Família Manson. O psicopata estava convencido de que os Garotos de Liverpool haviam colocado mensagens codificadas em todas suas canções. 

Um exemplo disso seria a faixa 'Revolution 9', que seria uma referência ao capítulo 9 de Apocalipse — uma passagem bíblica que fala de um "poço sem fundo". Conforme recorda o The Independent, Manson entendeu isso como um sinal para esconder e aumentar sua 'família' em uma caverna no Vale da Morte, na Califórnia, enquanto a guerra racial acontecia. 

Foi 'Revolution 9' dos Beatles que me excitou", revelou mais tarde à revista Rolling Stone. "Ela prevê a derrubada do Establishment. O poço será aberto, e é quando tudo vai cair. Um terço de toda a humanidade morrerá".

Já 'Glass Onion' seria uma previsão de que uma parede de água se abriria para a Família Manson no deserto. As faixas 'Blackbird' e 'Rocky Racoon' premonições da revolta dos afro-americanos. Enquanto 'Piggies', de George Harrison, inspirou a Família Manson a discutir abertamente a matança de ricos em volta de fogueiras após as sessões de pregação, continua o The Independent. 

Por fim, 'Helter Skelter', a frenética canção de rock de Paul McCartney — que se tornaria um dos alicerces do heavy metal —, teria a mensagem mais clara de todas: "'Helter Skelter' é confusão", disse Manson no tribunal, "a confusão está chegando rápido".

Capa do single promocional contendo Helter Skelter como faixa principal / Crédito: Wikimedia Commons

"Parecia caos e destruição", disse a ex-membro da Family, Dianne Lake, em seu livro Member of the Family. "Daí em diante, o título da música ficou como nosso codinome não tão secreto para a guerra racial entre negros e brancos e o apocalipse que se aproximava".

A influência de Manson 

Mas Charles Manson não foi apenas influenciado pela produção musical de sua época, ele também a influenciou.

Embora muitos apontem que é um exagero considerar seus crimes como uma pá de cal no sonho hippie dos anos 60 — visto que a década é marcada por assassinatos políticos (como o de JFK), guerra internacional (como o avanço da Guerra Fria e do Vietnã) e até mesmo a agitação civil na luta de direitos —, os feitos da Família Manson mudaram o tom da contracultura da época

JFK no momento em que é atingido por um tiro (cena mostrada no filme JFK - A Pergunta Que Não Quer Calar) / Crédito: Divulgação/ Warner Bros

"Isso parou todo mundo no meio do caminho", disse Ringo Starr sobre os assassinatos de Manson, recorda a Rolling Stone. "De repente, toda essa violência surgiu no meio de todo esse amor, paz e psicodelia. Todo mundo ficou realmente inseguro. Não apenas os roqueiros, mas todos em Los Angeles sentiram: 'Meu Deus, isso pode acontecer com qualquer um'".

Após os crimes, a situação em Laurel Canyon — área na Hollywood Hills repleta de residência de famosos — mudou completamente: antes sempre de 'portas-abertas', a região se tornou mais reservada. 

Todo mundo ficou apavorado", disse Michelle Phillips, do The Mamas & the Papas, recorda o The Independent. "Eu carregava uma arma na bolsa. E nunca mais convidei ninguém para minha casa".

A situação também mudou dentro do cenário musical, como em 1988, quando Ozzy Osbourne gravou 'Bloodbath in Paradise', sobre os assassinatos de Manson, creditando os crimes por transformar o clima musical em temas mais sombrios, à medida que o hard rock e o heavy metal surgiam no início dos anos 1970. 

"Os assassinatos de Manson estavam em toda a TV, então qualquer coisa com um toque sombrio era muito procurada", escreveu em sua autobiografia 'I Am Ozzy'. "Antes de virar psicopata, Manson tinha sido uma grande parte da cena musical de Los Angeles".

Se ele não tivesse ido para a cadeia, provavelmente teríamos acabado saindo com ele", apontou o músico em sua biografia.

Aquela época, Charles Manson já estava inserido no mundo da música e da contracultura da Costa Oeste. Mas seus crimes se tornaram fatais para a fantasia do 'Sonho Californiano' da época — revelando o lado sombrio do idealismo do LSD e fazendo de seus assassinatos a coisa mais chocante na qual a cena hippie havia se envolvido. 

As conexões musicais de Manson se estendiam muito além de uma obsessão distorcida pelos Beatles. Inicialmente, a Família Manson incluia vários músicos, como Bobby Beausoleil — que matou Gary Hinman pouco antes do assassinato de Sharon Tate — e que gravou nove álbuns com sua banda na prisão. 

Já, Catherine 'Gipsy' Share, parceira de Beausoleil e também membro da Família Manson, havia lançado um single folk pop chamado 'Ain't It?, Babe' com o nome artístico de Charity Shayne, em 1965. 

Outras integrantes da Família, como Ella Jo Bailey e Patricia Krenwinkel, também tiveram relações com Dennis Wilson, baterista dos The Beach Boys — que, em certa ocasião, recebeu membros do culto em sua casa para uma festa. 

O The Independent recorda que Wilson ficou fascinado por Manson e sua músicas, oferecendo a ele sessões no Gold Star Studios e arranjando para Brian e Carl Wilson produzirem 10 faixas de Manson no estúdio caseiro de Brian. Um visitante regular da casa de Wilson era Neil Young, que chegou a tocar com Manson lá.

"Nós apenas saímos juntos", disse Young na biografia 'Shakey'. "Ele tocou algumas músicas para mim, sentado na antiga casa de Will Rogers, na Sunset Boulevard. Dennis tinha a casa lá, e eu visitei Dennis algumas vezes... Charlie estava sempre lá... Ele era um homem raivoso. Mas brilhante... Inventava músicas conforme ele tocava, coisas novas o tempo todo, nenhuma música era igual à outra. Lembro-me de tocar um pouco de violão enquanto ele fazia as músicas". 

Young ficou impressionado o suficiente com as músicas "fascinantes" de Manson para recomendá-lo a um amigo da gravadora. "Eu contei a Mo Ostin [executivo da Warner] sobre ele: 'Esse cara é inacreditável' — ele inventa as músicas conforme ele faz, e todas são boas... Mas nunca fui além disso".

Inspirados em Manson 

Neil Young, inclusive, escreveria uma música chamada 'Revolution Blues', inspirada por Manson. Já Dennis Wilson, enquanto isso, pegou a canção de Charles Manson, 'Cease to Exist', e fez uma versão usando suas palavras, lançando-a como 'Never Learn Not to Love' — lançada como lado B do single 'Bluebirds over the Mountain'. 

A música foi creditada exclusivamente a Wilson, pois, ele explicou, Manson havia trocado seus direitos de publicação por "cerca de cem mil dólares em coisas" (como uma motocicleta e uma pequena quantia em dinheiro).

Apesar do acordo, Manson teria ficado ofendido por Wilson ter mudado a letra que ele havia escrito. De acordo com Van Dyke Parks, aponta o The Independent, Charles Manson respondeu deixando uma única bala com a governanta de Wilson, para ser passada adiante com uma mensagem ameaçando seus filhos — um lembrete de que, apesar de suas pretensões musicais, Manson era um psicopata violento.

Muito se especula o quanto a 'rejeição' de Manson pela indústria musical tenha desencadeado seus planos de assassinato. Embora, enquanto já estava em custódia pelos assassinatos de Tate-LaBianca, uma coleção de suas gravações do Gold Star Studios, chamada 'Lie: The Love and Terror Cult', foi lançada pelo selo Awareness de seu antigo amigo de prisão e membro da família Phil Kaufman, em 1970. 

Apesar de apenas 300 das 2 mil cópias terem sido vendidas, o seu lançamento fez com que alguns artistas 'sugassem' um pouco de sua maldade sonora. Como Marilyn Manson, que não só mesclou o nome de Marilyn Monroe e Charles Manson para seu nome artístico, como também fez um cover e sampleou-o em uma versão inédita de 'Sick City'. 

Artistas como Guns N' Roses, Sonic Youth, Ramones, e diversos outros também fizeram covers ou referências a Charles Manson, mas nenhum deles foi tão além quanto Trent Reznor, vocalista do Nine Inch Nails, que chegou a alugar a casa onde Sharon Tate foi assassinada em busca da vibe assombrada perfeita para seu álbum de 1994. No endereço, finaliza o The Independent, ele construiu um estúdio, que o apelidou de 'Pig'. 

 

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