Cena de Inferno em La Palma - Netflix
Inferno em La Palma

Inferno em La Palma: O Brasil já foi atingido por um tsunami?

Sucesso da Netflix, Inferno em La Palma mostra a possibilidade de atividades vulcânicas causa formação de tsunamis ao redor do mundo

Fabio Previdelli Publicado em 18/12/2024, às 19h30

'Inferno em La Palma' estreou na Netflix na semana passada e já se tornou um dos grandes sucessos dentro da plataforma, e atualmente é a série mais assistida — superando 'Senna'. 

Dividida em quatro episódios, a trama acompanha uma família norueguesa que viaja até a ilha de La Palma, no Oceano Atlântico, durante suas férias, mas que ao invés do merecido descanso, acaba enfrentando uma erupção vulcânica seguida de um tsunami devastador.

Embora seja ficcional, 'Inferno em La Palma' possui um contexto plausível. Afinal, a Ilha de La Palma existe e já foi centro de uma erupção em 2021; quando o Cumbre Vieja — vulcão mais antigo das Ilhas Canárias — entrou em erupção. No entanto, vale ressaltar que o tsunami é fruto da ficção.

O Cumbre Vieja ficou em atividade por quase 100 dias, devastando mais de mil hectares de terra. Apesar de ter desabrigado cerca de 7 mil pessoas, o episódio não deixou vítimas. 

Com o devastador tsunami mostrado na série, que se baseia mais na ficção do que realidade, muitos podem se questionar se o Brasil já sofreu com um fenômeno natural do tipo.

Tsunami no Brasil

Em 2020, pesquisadores da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) publicaram um estudo, na revista Natural Hazards Journal, apontando que o Brasil havia sido atingido por um tsunami em 1755, ocasionado após um terremoto atingir a cidade portuguesa de Lisboa — ou seja, do outro lado do Oceano Atlântico. 

O desastre natural ocorrido naquele ano foi o maior já registrado na Europa: com magnitude de 8,7 graus. Conforme recorda a BBC, o fenômeno natural destruiu não só a cidade de Lisboa, como regiões ao redor como o sul da Espanha e do Marrocos. O terremoto também causou um tsunami que atingiu a Irlanda e o Caribe.

Alegoria ao Terramoto de 1755, João Glama Strobërle - Domínio Público

 

Estima-se, nos números mais baixos, que o episódio tenha ocasionado entre 20 mil e 30 mil mortes; mas estimativas mais altas apontam que as vítimas possam ter ultrapassado a casa dos 100 mil. 

De acordo com o estudo, liderado pelo professor Francisco Dourado, do Centro de Pesquisas e Estudos sobre Desastres (Cepedes), a onda gigante que se formou após o terremoto em Lisboa foi capaz de atravessar o Atlântico e causar consequências na costa brasileira. 

A pesquisa surgiu após um levantamento histórico feito pelo professor Alberto Veloso, também autor do livro 'Tremeu a Europa e o Brasil' e também coautor do estudo.

"No início da tarde de 1º de novembro de 1755, um tsunami atingiu o litoral do Nordeste. Ele penetrou terra adentro, destruiu habitações modestas e desapareceu com duas pessoas. Isso é desconhecido da maioria dos brasileiros", relata Veloso na obra.

Registros do tsunami 

De acordo com artigo publicado no portal da UERJ, para o estudo, a equipe estudou 270 quilômetros de 22 praias, situadas entre o Rio Grande do Norte e o sul de Pernambuco. A equipe também realizou quatro pontos para coletas de amostras. 

Vale ressaltar, porém, que o estudo aponta que o impacto do tsunami foi maior do que a área pesquisada; visto que o fenômeno não só teria atingido toda a costa do Nordeste como também alcançou o Rio de Janeiro. 

Sobre o episódio existem quatro cartas da época que dão mais detalhes do ocorrido. Os documentos foram redigidos por um militar, pelo arcebispo da Bahia e pelos governadores de Pernambuco e da Parayba, recorda a BBC. As cartas fazem parte do acervo do Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa.

Gravura mostrando Lisboa em chamas e o tsunami varrendo o porto - Domínio Público

 

Uma delas, que remete ao dia 10 de maio de 1756, recorda o ocorrido de 1º de novembro de 1755, em uma praia da Paraíba: "As águas transcenderam os seus limites e fizeram fugir os habitantes das praias". 

Em Lucena e Tamandaré, a enchente do terremoto entrou pela terra adentro coisa de uma légua (4 a 5 km) terra adentro e levou algumas casas de palhoça e falta um rapaz e uma mulher", registra outra, datada de 4 de março de 1756.

Por fim, os pesquisadores apontam que na região da praia de Lucena, na Paraíba, as ondas chegaram até 1,8 metros de altura. O fenômeno foi ainda maior em Tamandaré, no Pernambuco, onde bateram quase dois metros — o que também aumentou o volume da água. 

A tragédia também foi maior em locais banhados por rios, como as proximidades da ilha pernambucana de Itamaracá, onde as ondas invadiram até quatro quilômetros dentro da cidade.

Tsunami ou minitsunami?

Em 2011, em artigo publicado na Revista da USP, o professor Alberto Veloso levantou o questionamento sobre se o fenômeno que ocorreu no Brasil poderia ser denominado como um 'tsunami'. "Tsunamis são fenômenos raros, mas podem acontecer em qualquer dos oceanos, em diversos mares e em porções menores de massas de água”. 

Eles podem ter diferentes origens, ser grandes ou pequenos, desastrosos ou inofensivos. Tais características abrem um amplo leque de oportunidades, inclusive para formular a pergunta: já ocorreu, ou poderá acontecer, um tsunami no Brasil? Talvez não seja possível responder tais indagações de forma precisa", prossegue. 

O especialista aponta que a falta de ocorrências de fenômenos desta natureza por aqui se dá por não haver terremotos de grande magnitude que atingem o mar. Entretanto, ressalta que a falta de registros do passado não são uma afirmação de que algo parecido não possa ocorrer num futuro — embora a possibilidade se demonstre remota. 

Por fim, ainda no artigo, Veloso resgata o que ele chama de "manifestações marinhas incomuns", ou seja, cinco episódios que ocorreram no litoral brasileiro entre 1541 e 2006. Em todos existem registros de que o mar estava violento ou com uma ressaca forte. 

Porém, é importante salientar alguns desses acontecimentos não ocorreu como consequência de um abalo sísmico ou erupção vulcânica — e, portanto, não pode ser considerado um tsunami de fato. Já registros como as grandes ondas em Cananéia e na Baía de Todos os Santos foram originadas de terremotos, mas com magnitudes baixas. 

"Identificou-se um tremor que gerou ondas parecidas com um pequeno tsunami. Apesar de modesto o caso é significativo, pois se está validando um 'minitsunami' brasileiro", encerra.

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