Como os banqueiros Medici transformaram Florença, uma das mais tradicionais repúblicas da Itália, em seu domínio pessoal — e ajudaram a criar o esplendor do Renascimento
Reinaldo José Lopes Publicado em 28/08/2019, às 07h00
Em 1434, o banqueiro quarentão Cosimo de Medici fez uma entrada exuberante em Florença. Queria mostrar que estava de volta à sua cidade, motivo de infortúnio para seus inimigos, que seriam banidos. Começava ali o principado dos Medici, a grande família burguesa, patrona das artes e das letras, que comandou Florença e depois a Toscana até 1737, com breves intervalos.
Cosimo havia passado um ano exilado em Veneza, acusado de tentar instaurar um governo tirânico. Mas a maioria ignorava essas suspeitas, porque as ruas ficaram lotadas de gente festejando seu retorno. "Raramente um cidadão voltando em triunfo de uma vitória foi recebido por seu país com tantas demonstrações de júbilo. Todos o saudavam como benfeitor do povo e Pai da Pátria", escreveu Nicolau Maquiavel, político e intelectual florentino.
Maquiavel, que chegou a ser preso e torturado a mando dos descendentes de Cosimo, antes de se dedicar a escrever sobre o banqueiro, sabia perfeitamente que aquela recepção calorosa tinha marcado o começo do fim para o governo republicano em Florença. Devagarzinho, usando seus vastos recursos financeiros para apadrinhar a classe média nascente e se aliar aos poderosos, dentro e fora da Itália, os Medici deixaram de ser homens de negócios e viraram uma dinastia.
As outras grandes famílias de Florença até espernearam, voltando a expulsar os netos de Cosimo da cidade mais de uma vez. Mas só adiaram o inevitável: o domínio dos Medici durou quase 300 anos e moldou boa parte da Itália renascentista. De certo modo, os Medici fundaram a primeira grande instituição financeira multinacional do planeta e foram um bocado hábeis em usar o poder econômico para mandar e desmandar na política, na arte e até na religião. Um modelo que, afinal, está na base de quase todos os Estados modernos do Ocidente.
Embora pioneiros nesse tipo de articulação política e ideológica, os Medici não foram um caso isolado na Itália do Renascimento. "O fenômeno, na verdade, é comum nessa época. O que diferencia os Medici talvez seja o método relativamente não violento de ascensão ao poder, através do qual eles foram erodindo, de forma muito lenta e contínua, as instituições republicanas de Florença", avalia o historiador Manfredi Piccolomini, professor da Universidade da Cidade de Nova York e então diretor do Medici Archive Project, que estuda a documentação deixada pela família.
De certa maneira, Cosimo e companhia começaram como "zebras" da política florentina. A família, originalmente ligada à fabricação e ao comércio de tecidos, não era nem a mais rica nem a mais influente de Florença. Alguns dos Medici caíram na besteira de apoiar, no fim do século 14, a chamada Revolta dos Ciompi, cujo objetivo era dar direitos políticos aos que trabalhavam na manufatura da lã. A revolta foi suprimida, mas o envolvimento provocou o isolamento da família das relações de poder na cidade por décadas.
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