Preso em 5 de agosto de 1962, durante o Apartheid, o homem foi considerado o detento político mais importante do século 20
Tiago Cordeiro Publicado em 05/12/2019, às 12h30 - Atualizado em 11/02/2022, às 09h00
Em meados de 1948, a população da África do Sul conheceu os restritos limites do Apartheid, um intenso regime de segregação racial. Anos antes, em julho de 1918, nascia alí um futuro líder, herdeiro de um país dividido: o eterno Nelson Mandela.
A vida do homem é um filme com roteiro mundialmente conhecido — e final feliz. Ele foi idolatrado em seu país, tratado como celebridade por políticos e artistas do mundo inteiro e homenageado com cerca de 250 prêmios (inclusive o Nobel da Paz, em 1993).
Nascido em uma África do Sul que enfrentava, desde 1913, a Lei das Terras Nativas — que reservava 87% da então União Sul-Africana para os brancos —, Mandela foi preso pelo restrito Apartheid no dia 5 de agosto de 1962.
Considerado o detento político mais importante do século 20, ele só deixou a cadeia 27 anos mais tarde, para acabar com o regime racista e liderar a transição política que evitou uma guerra civil na África do Sul. Mas ele é um homem muito mais complexo do que o andar arrastado e o eterno sorriso tranquilo no rosto dão a entender.
Foi em uma área negra da nação xhosa, no território de Transkei, que o chefe da etnia dos tembus, Gadla Henry Mphakanyiswa, ou Henry Mandela, teve um de seus 13 filhos — o primeiro com Nosekeni Fanny, terceira de suas quatro esposas.
O pai batizou seu herdeiro de Rolihlahla (ou Encrenqueiro). Naquele dia 18 de julho de 1918, o homem encontrava-se tão feliz pelo bebê que logo tratou de matar um bode e, orgulhoso, pendurou os chifres do animal na sala de sua casa.
Rolihlahla passou os primeiros anos da infância em Mvezo, que ele descreve como "uma minúscula aldeia afastada do mundo dos grandes eventos, onde se vivia da mesma forma havia centenas de anos". Sua vida ficou mais difícil quando Henry brigou com um juiz branco e foi afastado do trono. E pior: ficou órfão de pai aos 9 anos. Jongintaba, o príncipe regente dos tembus, tornou-se seu padrinho.
A essa altura, o menino já usava o nome Nelson, escolhido por uma professora branca da escola metodista de elite que frequentou. Ele foi o primeiro de sua família a ir para escola regular, a partir dos 7 anos. Aos 16, submeteu-se à circuncisão e a um período de reclusão numa caverna, com o corpo pintado de branco em sinal de pureza. Era o início da vida adulta. Em 1938, seguiu para Fort Hare, a única universidade negra do país.
Lá ele conheceu membros do Congresso Nacional Africano (o CNA, fundado em 1912), como Oliver Tambo, e deu início à atuação política. No segundo ano do curso de Direito, aderiu ao movimento por melhorias na faculdade e acabou expulso. Jongintaba, então, arranjou-lhe um casamento. Inconformado, Nelson fugiu para Joanesburgo em 1941, onde arrumou emprego em uma mina de carvão.
O rapaz logo perdeu o posto (o chefe não queria problemas com o príncipe), mas conheceu Walter Sisulo, o dono de uma imobiliária, que lhe conseguiu uma vaga de estagiário num escritório de advocacia. Na época, morava em Alexandra, uma das favelas mais precárias e violentas da cidade. Em 1942, foi estudar Direito em Witwatersrand.
Depois de seis anos, empacou nos testes finais e ficou sem diploma (o que não o impediu de advogar). Ainda na universidade, em 1944, casou-se com uma prima do mentor Sisulu, Evelyn Ntoko Mase, a primeira de três esposas. No mesmo ano ajudou a fundar a Liga Jovem do CNA, que presidiria depois.
A instituição do Apartheid, em 1948, levaria Nelson Mandela a radicalizar a militância e liderar uma campanha de desobediência civil nos anos seguintes. Ele ajudou a consolidar a resistência ao regime como um movimento de massas.
Tinha dois filhos e pouco dinheiro, mas estava totalmente dedicado à política — em reuniões, comícios e como advogado. Mal aparecia em casa. Seu filho Thembi, aos 5 anos, perguntou à mãe: "Onde papai mora?" Mandela e Tambo abriram o primeiro escritório para negros no país, em 1953.
Não demorou para que ele defendesse a luta armada. Dali a três anos, preso e acusado de alta traição, já levava uma vida praticamente clandestina. O julgamento se estenderia até 1961. Ele e outras 150 pessoas acabaram inocentadas.
Nesse ano, fundava a guerrilha da CNA, a Umkhonto we Sizwe, ou Lança da Nação. Entre 1961 e 1962, Mandela comandava os ataques que o levariam de volta à cadeia. Ao lado de sete militantes, em junho de 1964, foi sentenciado à prisão perpétua por terrorismo.
Foram 27 anos recluso, sem se aquietar. Escrevia cartas exortando os companheiros à resistência. Na mais famosa, de 1980, clamava: "Unam-se! Mobilizem-se! Lutem! Entre a bigorna que é a ação da massa unida e o martelo que é a luta armada, devemos esmagar o apartheid!" O líder, porém, dedicou-se principalmente a entender os pais do regime segregacionista: os africânderes.
Tornou-se progressivamente adepto da diplomacia, marcado pela experiência na prisão. Nos anos 1980, já não era possível conter o movimento negro. O país enfrentava sérios conflitos, além de forte pressão internacional. Em 2 de fevereiro de 1990, o presidente Frederik de Klerk revertia o banimento do CNA. Mandela foi libertado nove dias depois.
Em 10 de maio de 1994, aos 75 anos, ele tomou posse como o primeiro presidente negro da África do Sul, estreante no sufrágio universal. Conduziu com sucesso a unificação de um país rachado. "Sem a liderança firme e equilibrada de Mandela, o país teria entrado em guerra civil. Os brancos ainda tinham o dinheiro e as armas, e os negros queriam vingança", diz Marc Ross, cientista político americano.
Mandela obteve conquistas importantes, como tirar da legislação o ranço segregacionista e, com uma nova constituição, consolidar a democracia. Promoveu reformas econômicas essenciais e profissionalizou o turismo e a mineração. Reduziu significativamente as favelas e ampliar o acesso a saneamento básico e energia elétrica.
Ao deixar o posto após um só mandato, em 1999, manteve-se como semideus para os conterrâneos. Era ouvido sobre todos os assuntos, amigo de figurões como Bill Clinton e Robert De Niro e presente nas ONGs que criou.
"Ele aprecia ser visitado por todo tipo de artista, mas de alguns realmente gosta. É fã de Britney Spears", diz Mac Maharaj, ex-colega de prisão e ex-ministro dos Transportes. Em 2004, Mandela aposentou-se da vida pública.
Morreu em 5 de dezembro de 2013, aos 95 anos, de infecção respiratória. “Ele está agora a descansar. Ele está agora em paz. A nossa nação perdeu o seu maior filho. O nosso povo perdeu um pai”, disse o presidente o presidente sul-africano Jacob Zuma sobre a morte de Mandela. A África decretou estado de luto e foi realizada uma grande cerimônia que contou com a presença de importantes líderes mundiais.
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