O debate em torno da cor do compositor alemão já dura décadas, todavia, uma questão relevante pode ter sido ignorada no processo
Ingredi Brunato, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 16/04/2021, às 09h38
De tempos em tempos ressurge a hipótese de que o célebre compositor alemão Ludwig van Beethoven era, na verdade, negro, a despeito de seus retratos o representarem como um homem branco.
Em uma edição de 1990 do Black Music Research Journal, por exemplo, o historiador Dominique-René de Lerman comentou que o debate já havia ocorrido em 1907, segundo repercutido por uma matéria de 2020 do Smithsonian.
Uma das hipoteses que já foi usada anteriormente para sustentar essa teoria é o fato que pessoas que conheciam o compositor o teriam descrito por vezes com adjetivos mais frequentemente direcionados a pessoas negras.
Um desses conhecidos é Frau Fisher, que se referiu a Beethoven como: “Baixo, atarracado, ombros largos, pescoço curto, nariz redondo e pele marrom-escura”. A informação foi documentada também pela matéria do ano passado, que foi quando o questionamento da cor do alemão ressurgiu outra vez, após um artigo publicado no The Concordian viralizar nas redes sociais.
Os pais do compositor - que se chamavam Johann e Maria Magdalena van Beethoven - possuíam ambos antepassados de origem flamenga, um grupo étnico germânico que costuma ter pele clara.
Todavia, no passado, houve um período em que Espanha dominou a região habitada pelo povo, e nesse momento histórico houve uma mistura de genes entre as duas populações. Alguns europeus, conhecidos como “mouros”, eram também descendentes de africanos, assim ostentando a pele escura e os traços dos negros.
Assim, caso algum antepassado flamengo de Beethoven tivesse se envolvido com um espanhol de ascendência africana, o gênio da música poderia ter vindo ao mundo como um homem negro.
Essa complexa cadeia de especulações, todavia, ignora algo muito mais simples, como aponta o site do Beethoven Center, da San José State University: “Essa teoria não se baseia em estudos genealógicos do passado de Beethoven, que estão disponíveis ao público. Em vez disso, é baseado na suposição de que um dos ancestrais de Beethoven teve um filho fora do casamento”.
“É importante notar que ninguém chamou Beethoven de negro ou mouro durante sua vida, e os vienenses estavam muito atentos tanto aos mouros quanto aos mulatos, como George Bridgetower, o famoso violinista que colaborou com Beethoven”, informa a instituição ainda. Assim, a teoria não tem fundamento.
A figura de George Bridgetower foi também citada pela professora alemã Kira Thurman, que é historiadora e musicóloga. Em 2020, quando a discussão sobre a cor de Beethoven veio à tona novamente, explicou em sua página no Twitter que esse debate ignora uma questão mais relevante:
“Em vez de fazer a pergunta, 'Beethoven era negro?', pergunte 'Por que não sei nada sobre George Bridgetower?'. Eu, francamente, não preciso de mais debates sobre a possível negritude de Beethoven. Mas preciso de pessoas para tocar a música de Bridgetower. E outros para serem como ele”, tuitou a pesquisadora.
Em entrevista ao Smithsonian, Thurman avançou no tópico: “Há uma longa história de músicos negros na Europa, atuando, compondo e fazendo concertos. E eles estavam fazendo coisas incríveis. Mas, muitas vezes, suas histórias não são contadas ou foram deixadas de lado, porque não se encaixam em nossa narrativa de música clássica e talento”, comentou.
Entre esses artistas, além do próprio Bridgetower, que fora um prodígio com o violino, estão Chevalier de Saint-Georges, um compositor francês também contemporâneo a Beethoven, e Samuel Coleridge-Taylor, esse último sendo um compositor inglês mais moderno.
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