Em 'O Presidente Negro', autor do Sítio do Pica-pau Amarelo tentou prever o futuro
Kelly Cristina Spinelli Publicado em 09/04/2019, às 07h00 - Atualizado às 10h00
Em 1926, era inconcebível a ideia de um presidente negro nos EUA. Mesmo no Brasil, o mais perto que chegamos - até hoje - foi Nilo Peçanha, que todos chamavam de "mulato". E não foi eleito.
Nesse ano, Lobato estava para assumir o cargo de adido do Consulado Brasileiro de Nova York. Os EUA estavam a décadas do movimento dos Direitos Civis, que acabou com as leis segregacionistas nos anos 1960.
Foi nessa situação que Monteiro Lobato (1882-1948) escreveu O Presidente Negro. Um romance de ficção científica.
No livro, um cientista cria uma máquina do tempo: através dela assiste à disputa pela presidência do país em 2228. Num vislumbre da internet, é um futuro em que tudo pode ser feito por rádio transporte e os jornais são publicados em telas: "Cada colaborador do Remember radiava de sua casa, numa certa hora, o seu artigo, e imediatamente suas ideias surgiam impressas em caracteres luminosos na casa dos assinantes".
Mas também é uma sociedade onde deficientes e portadores de doenças genéticas foram eliminados por eugenia. Brancos e negros foram segregados para sempre, enquanto as mulheres viraram "outra espécie".
Concorrem o líder negro Jim Roy e a feminista Evelyn Astor, com o conservador branco Kerlog, candidato à reeleição. Kerlog tenta cooptar Roy a juntar todos os homens contra as mulheres, mas Roy acaba anunciando que está no páreo uma hora antes das eleições.
No voto por urna eletrônica, apurado em 30 minutos, Jim Roy termina por ser eleito o 88º presidente dos EUA.
Os brancos se revoltam. Kerlog então se une em aliança com Evelyn Astor, que aceita porque "o homem é o marido da mulher por mil razões" e unifica 51 milhões de mulheres com o partido dos homens.
A conspiração agora é juntar a maioria para aprovar uma lei de esterilização de todos os negros. Kerlog demonstra a um atônito Jim Roy que "sua raça jamais assumirá o controle". O líder é encontrado morto no quarto de hotel no dia seguinte, com Lobato apenas sugerindo um assassinato.
A obra provoca discussões. Lobato, afinal, havia começado sua carreira, poucos anos antes, comparando caboclos mestiços aos urupês, orelha-de-pau, fungos da madeira podre. Seria uma defesa do machismo e da pureza racial ou uma crítica à perda de identidade de mulheres e negros? Márcia Camargos, biógrafa do autor, acredita na segunda opção. "Lobato não era racista nem machista: ele critica e desnuda o feminismo caricato e mostra a situação dos negros na época", afirma.
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