O trajeto de volta a Europa foi permeado de nostalgia e melancolia — grande parte das citações que envolviam dom Pedro II, também ressaltavam a palavra “saudade”
Fabio Previdelli Publicado em 29/05/2020, às 09h56
Em 15 de novembro de 1889, era proclamada a República do Brasil. Como consequência, os membros da Família Imperial seguiram para o exílio na França e no Império Austro-Húngaro, embarcando a bordo do navio Alagoas.
Lá estavam D. Pedro II e sua esposa Teresa Cristina, junto de Isabel, seu esposo D. Gastão e os filhos D. Pedro de Alcântara, D. Luís e D. Antônio Gastão. Também estava presente Pedro Augusto, filho mais velho da falecida Leopoldina.
No entanto, a principal protagonista da viagem, que ocorreu há 130 anos, foi Maria Amanda Paranaguá Dória: a baronesa de Loreto. Isso porque, seu diário, que foi esquecido nos arquivos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), revelou com riqueza tudo que aconteceu a partir do embarque em uma chuvosa madrugada.
As impressões de Maria Amanda, chamada de Amandinha no circulo imperial, foram relatos no livro Brasiliana IHGB: Instituto Histórico E Geográfico Brasileiro - 175 Anos, publicado em 2014, apresentando uma visão extremamente tocante sobre esse período histórico.
As 120 páginas do primeiro caderno terminam com o momento de profunda dor em que o imperador lamenta a morte de Teresa Cristina — que aconteceu apenas três semanas do desembarque em Portugal.
Em uma demonstração de fidelidade à realeza, ela e seu marido, Franklin Américo de Meneses Dória, barão de Loreto, acompanharam, por vontade própria, o imperador durante o exílio. Assim, os dois se juntaram a uma caravana de duas dezenas de pessoas e se dirigiram, em um silêncio que mais lembrava uma marcha fúnebre, pelas ruas do Rio de Janeiro.
Partiram de lancha até o cruzador Parnaíba e, de lá, foram até a enseada de Abraão, na região de Angra dos Reis, quando migraram para o vapor Alagoas. O trajeto de volta a Europa durou 20 longos dias, no primeiro entre eles a baronesa recordou: “O mar estava um pouco agitado e, temendo enjoo, que me é inevitável, fui entrincheirar-me no beliche, onde me deitei com vivas saudades e lembranças de origens diversas”.
De maneira clara e objetiva, a escrita de Maria Amanda destaca o sentimento de conformidade dos passageiros, principalmente o de Pedro. Grande parte das citações também ressalta a palavra “saudade”.
Na embarcação não se discutia política, a única pauta bem vinda era literatura. Durante o trajeto, dom Pedro criou o hábito de rodas de leituras noturnas — que ele próprio batizou de “conversações saudosas”.
A bordo, era possível ver os traços simples que a família imperial levava em solo brasileiro. Não havia banquetes, festas ou até mesmo o uso de roupas de gala. Em 2 de dezembro, data do aniversário do imperador, uma garrafa de champanhe foi aberta para que todos se deleitassem. Dom Pedro ergueu uma taça e disse: “Brindo à prosperidade do Brasil”.
Segundo o diário, dom Pedro II já não se importava mais tanto com os rituais, mas, mesmo assim, os almoços e jantares continuavam sendo servidos em uma mesa devidamente aparelhada, e a princesa Isabel continuava sendo acompanhada por duas criadas.
Entretanto, alguns costumes de dom Pedro não mudaram, como a generosidade. Conforme relata a baronesa, apesar da falta de dinheiro, o imperador não hesitou em fazer uma doação generosa a um padre para que ele distribuísse aos pobres. O aporte aconteceu durante uma escala na ilha de São Vicente, em Cabo Verde.
Maria Amanda também revelou que um dos motivos que mais preocupou aqueles que estavam a bordo do Alagoas, foi o comportamento de Pedro Augusto. O neto mais velho do imperador — que desde cedo foi preparado para assumir o trono — tinha tendências paranoicas e sofreu surtos psicóticos durante a viagem.
A baronesa, assim como os outros tripulantes, atribuíram esses ataques de histeria à movimentação do navio que fazia a segurança do Alagoas. “Todas essas manobras só têm servido para assustar o príncipe dom Pedro Augusto, que, desde ontem, sofre de superexcitação nervosa, se acha possuído de pânico e pensa que estamos todos perdidos e não chegaremos a Lisboa. O seu estado é lastimável”.
Dias depois, a morte da imperatriz Teresa Cristina — que pereceu devido a um infarto — foi atribuída, pela baronesa, como culpa da República. “Desde que saiu do Brasil, ela mostrava-se impressionada pelos horrorosos acontecimentos tão sabidos. Eles, sem dúvida, concorreram para a sua morte”.
Esta, inclusive, é a cena mais marcante descrita por ela. Afinal, apesar das amantes que teve, dom Pedro criou uma intensa relação de apego com a imperatriz, e a morte da mesma lhe causou profunda tristeza.
“Antes de soldar-se a urna, o imperador quis despedir-se da imperatriz e mandou chamar a todos nós para fazermos também nossas despedidas”, escreveu a Maria Amanda. “Não se pode descrever a dor dos príncipes e a nossa. Beijamos-lhe a mão e choramos copiosamente sobre o seu corpo sem vida.”
Dom Pedro, que normalmente era discreto ao demonstrar suas emoções, não foi capaz de esconder tudo que sentia. “Ele abraçou a sua muito amada esposa soluçando e foi logo retirado dali pelo Mota Maia (médico da família). A princesa beijou sua santa mãe repetidas vezes; o mesmo fizeram os príncipes, e nós beijamos a mão de nossa imperatriz, que fora sempre tão boa e carinhosa”.
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