Os restos mortais foram descobertos em um santuário no Espírito Santo e surpreenderam arqueólogos
Isabela Barreiros, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 24/03/2021, às 17h18
Foi em fevereiro de 1918 que o mundo viu os primeiros casos registrados de Gripe Espanhola. Nos próximos meses — e anos —, centenas de milhares de pessoas morreram em decorrência da terrível doença ao redor do planeta.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Grande Gripe foi uma das pandemias mais mortais da história. No mundo, como relatou a revista Galileu, foram cerca de 50 milhões de mortes no mundo e um total de 35 mil apenas no Brasil entre 1918 e 1920.
Como o número era assustador, muitas pessoas foram enterradas em valas coletivas e, às vezes, como indigentes. Não existiam caixões o suficiente e, como todos estavam morrendo, não existiam coveiros o suficiente para lidar com a situação.
"Normalmente, o agonizante põe-se a imaginar a reação dos parentes, amigos e desafetos. Na Espanhola não havia reação nenhuma. Muitos caíam, rente ao meio-fio, com a cara enfiada no ralo. E ficavam, lá, estendidos, não como mortos, mas como bêbados. Ninguém os chorava, ninguém", descreveu Nelson Rubens sobre as memórias do período, na obra A Menina Sem Estrela.
Por isso, inúmeros indivíduos que faleceram na época nunca tiveram seus restos mortais identificados. Em Anchieta, no Espírito Santo, por exemplo, obras de restauração e revitalização realizadas no final do ano passado no Santuário de São José de Anchieta revelaram uma descoberta impressionante.
Como relatou o portal da Gazeta na última semana, arqueólogos liderados pelo coordenador das pesquisas Ricardo Augusto Silva Nogueira descobriram esqueletos de ao menos 80 pessoas que morreram durante o período da Gripe Espanhola.
"Os vestígios materiais evidenciados no pátio interno do Santuário sugerem relação com os anos de 1918 a 1920, período de incidência da influenza no Estado”, explicou Nogueira, conforme divulgou a Gazeta.
Segundo o arqueólogo, as ossadas foram encontradas durante as obras que retiraram 40 cm de areia sob a capela do Santuário de São José de Anchieta. Lá, estavam ao menos 80 esqueletos enterrados de maneira completamente incerta.
Foram identificados, inclusive, ossos esmagados e triturados, o que pode significar que o local era aberto novamente para que mais pessoas fossem enterradas. Registros históricos escritos por padres na época indicam ainda que, durante o período da gripe espanhola, pessoas eram sepultadas desordenadamente na capela do santuário.
“As sepulturas vistas na igreja são de pessoas humildes, sem posses visíveis. Não existe registro delas, nem lápides, numerações, delimitações de covas. A maioria foi enterrada diretamente no solo. Não existe nenhuma referência religiosa material nos enterramentos”, afirmou o pesquisador.
Mais cinco esqueletos foram identificados no pátio dos aposentos dos jesuítas que viviam no local. Eles, no entanto, estavam guardados de maneira apropriada em urnas, diferentemente das pessoas simples enterradas na igreja, que funcionou como um cemitério até o começo do século 20.
A descoberta demonstra a importância do trabalho arqueológico realizado no país. Erika Kunkel Varejão, presidente do Instituto Modus Vivendi, que está realizando a restauração, disse à Gazeta que considerou as escavações essenciais para o entendimento da história do Brasil.
“Considero que a presença da arqueologia e dos responsáveis pelo monumento foi muito importante, afinal, este episódio registra momentos desconhecidos e relevantes da nossa história”, afirmou Varejão.
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