Seriam os personagens da série a representação dos condenáveis vícios dos seres humanos?
Fabio Previdelli | @fabioprevidelli_ Publicado em 12/12/2021, às 09h00
Apesar de não ser mais exibido na televisão aberta, o seriado Chaves é, ainda hoje, apreciado por diversas gerações. Afinal, foram cerca de quatro décadas alegrando as tardes dos telespectadores brasileiros.
A história do menino que vivia no barril de uma vila fictícia já é conhecida de cor e salteado por diversas pessoas, mas o que poucos sabem é sobre as teorias que envolvem a produção de Roberto Bolanõs.
Uma das principais entre elas foi levantada pelo professor pós-doutorado de História Ademir Luiz, autor do ensaio 'Pecados, demônios e tentações em Chaves'. Segundo Ademir Luiz, os personagens da série representariam os sete pecados capitais.
A origem humilde do personagem principal, aliado às suas trapalhadas, fazem de Chaves um dos personagens mais queridos pelo público brasileiro. Porém, sua face oculta esconderia o pecado da gula.
Na série, é possível notar que Chaves é um menino que vive com fome e que tem no sanduíche de presunto sua refeição mais desejada. “Glutão inveterado, sua preferência por sanduíche de presunto indica desprezo pelas leis de Deus, que proibiu o consumo de porco, esse animal sujo e de pé fendido”, diz o pesquisador.
Inimigo de qualquer autoridade moral, apelidou seu professor de ‘Mestre Linguiça’, outra referência à malfadada iguaria suína”, completa.
“Deus ajuda quem cedo madruga”, já dizia o ditado popular. Porém, parece que o mesmo não se aplica ao personagem de Don Ramón Valdés, que só Madruga em seu nome. Afinal, o pai da Chiquinha é um preguiçoso nato, capaz de se esforçar mais para fugir de um emprego do que suar para se manter em um.
Seu Madruga, que tem muito trabalho para continuar sem trabalhar, cometia o pecado da preguiça. Exigem redobrados esforços suas estratégias de fuga, para não pagar os indefectíveis 14 meses de aluguel”, ressalta Ademir Luiz.
Dizem que o dinheiro não trás felicidade e isso parece se aplicar bem em Quico. O menino mais rico da vila sempre buscava causar inveja em Chaves e Chiquinha com seus brinquedos super caros enquanto os dois, que eram mais humildes, se divertiam muito mais com suas brincadeiras improvisadas. O fato é tratado pelo pesquisador como “Um círculo vicioso de inveja, jamais saciada”.
O menino mais rico da vila é movido pela inveja. Sempre que vê um de seus pobres vizinhos se divertindo com um surrado brinquedo, cobiça aquela alegria simplória e vai buscar um dos seus, sempre maior e melhor, mas que nunca lhe dá satisfação”, completa.
“Dona Florinda e o Professor Girafales foram libertinos do porte do Marquês de Sade e Messalina (ou os próprios). Mestres na arte da luxúria, acabaram condenados a uma eternidade de abstinência sexual. Frigida e impotente, a mente almeja, mas o corpo não acompanha”, diz o pesquisador sobre a relação dos dois personagens.
Segundo Ademir Luiz, outro ponto que marca a relação é o consumo interminável de xícaras de café, produto que possui propriedades estimulantes, mas algo que só alimenta ainda mais o fogo que os dois nunca serão capazes de apagar.
O professor Girafales fuma em sala de aula não porque ‘El Chavo Del Ocho’ foi gravado antes da praga politicamente correta, mas devido ao fato de ele ser portador do célebre cacoete pós-coito de acender um cigarro, fazer um aro de fumaça no ar e perguntar ‘foi bom para você?’”, aponta.
Dona Clotilde é vista na série como uma figura horrenda e assustadora, algo que contrastava com a atriz que deu vida à personagem, Angelines Fernández, que foi ex-miss Espanha e também se tornou um símbolo de beleza no México.
Dona Clotilde, a bruxa do 71, padecia de extrema vaidade. O gênio de Bolaños teve a sutileza de convidar uma ex-miss, a espanhola Angelines Fernández, para interpretar a personagem”, acrescenta Ademir Luiz.
Outro ponto que liga a Bruxa ao pecado é seu animal de estimação: satanás, ora cão, ora gato. “Em 1589 o teólogo Peter Binsfeld, no livro ‘Binsfeld’s Classification of Demons’, estabeleceu que cada um dos sete pecados capitais possui um patrono infernal. Sintomaticamente, Lúcifer, nome pelo qual muitos chamam satanás, gera a vaidade”, completa.
A filha de Seu Madruga, por sua vez, apesar de ser a mais “esperta” que os demais meninos, teria sua personalidade personificada, de acordo com o pesquisador, de ser “a menor e fisicamente mais fraca da vila”.
Sua personalidade intolerante e raivosa seria potencializada com um triciclo, que sob sua posse viraria uma maneira de extrapolar sua ira atropelando os pés e brinquedos que cruzassem seu caminho. Apesar de seus excessos, no fim, “só lhe resta chorar, chorar e chorar”.
Dono da vila, o Senhor Barriga não mede esforços para cobrar o aluguel de seus inquilinos, não lhes dando nenhum tipo de prazo a mais ou de desconto pelo período que vivem no local.
A ganância de Seu Barriga é óbvia. Quem mais cobraria o aluguel mensal praticamente todos os dias?”, questiona Ademir Luiz.
Outro ponto curioso é que o personagem sempre chega na vila sendo recepcionado por uma pancada, o que o pesquisador explica como uma punição aos pecados que ele cometeu em vida.
“O fato de possuir como veículo uma Brasília amarela liga-o imediatamente ao país Brasil, indicando que em vida deve ter se envolvido em escândalos de corrupção”, prossegue.
Na série, a história sobre o passado de Chaves é pouco conhecida e cheia de perguntas. Um dos poucos pontos que se tem conhecimento é que o menino vive na casa 8 e mora com uma senhora.
De acordo com a teoria, a tutora do menino seria a própria Morte. O que corrobora com esse ponto é que o número oito deitado se assemelha ao símbolo do infinito. Ademir vai além e diz que todos naquele círculo social estão condenados pela eternidade, afinal, esse seria o motivo do Sr. Barriga ir cobrar os aluguéis todos os dias e de Seu Madruga sempre dever exatos 14 meses de aluguel, e nunca 15, 16 … O tempo não passa no inferno.
Personagens secundários também ajudariam a explicar a trama, com o carteiro Jaiminho, que na verdade seria um tipo de médium ou, como o pesquisador aponta, “o único representante do lado de cá”.
Ele seria responsável por entregar mensagens dos vivos para os mortos. “Seu constante estado de fadiga é resultado do esforço sobre-humano necessário para cruzar as dimensões”, conclui.
Para ler o ensaio “Pecados, demônios e tentações em Chaves”, de Ademir Luiz, na íntegra, clique aqui!
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