Após página de redes sociais publicar uma informação falsa, Fabiane foi perseguida, linchada, torturada e brutalmente assassinada por populares
Fabio Previdelli Publicado em 06/04/2020, às 18h04 - Atualizado em 27/12/2023, às 12h03
No dia 3 de maio de 2014, um sábado, uma confusão — somada a uma gritaria — tomou conta do bairro de Morrinhos, no Guarujá, cidade litorânea de São Paulo. Em meio a bagunça, muitas pessoas clamavam por Justiça. Mas o que havia acontecido?
O alvo de toda a revolta era Fabiane Maria de Jesus, então com 33 anos na época. Uma mulher religiosa, Fabiane era casada e mãe de duas meninas, recorda o Linha Direta. No fatídico dia, Fabiane sofreu, durante duas horas, os mais diversos tipos de agressão: um verdadeiro linchamento a céu aberto.
Após a sessão de tortura feita por populares, Fabiane chegou a ser levada para o Hospital Santo Amaro, onde ficou constatado que mulher sofreu um traumatismo craniano — o que levou a sua internação em estado crítico. Apesar dos esforços médicos, a mulher morreu dois dias depois.
Além das mãos daqueles que clamavam por Justiça, outro fator foi importante para o brutal apedrejamento de Fabiane: as fake news. Se hoje, com o debate cada vez maior sobre a importância de checar fontes jornalísticas, muitas pessoas ainda acreditam em notícias falsas; em 2014, esse cenário ainda era pior.
Acontece que Fabiane Maria de Jesus foi confundida com uma suposta sequestradora de crianças. Dias antes, uma página no Facebook dizia que na região de Morrinhos havia uma "mulher que estava raptando crianças para realizar magia negra".
Rapidamente, a notícia com a suposta foto da criminosa viralizou. Era um retrato falado de uma suspeita — atrelando a mulher a um crime cometido em 2012, no Rio de Janeiro. Fabiane, que andava de bicicleta naquele 3 de maio, foi apontada como a tal sequestradora; embora ela não se assemelhasse ao retrato falado.
Por horas a mulher foi socada, pisoteada, amarrada e até mesmo arrastada pelas ruas da cidade. Segundo o Linha Direta, o ato ficou ainda mais emblemático, pois toda uma multidão acompanhava e incitava a brutalidade contra Fabiane. Houve até uma tentativa de queimá-la viva naquele dia.
Se o linchamento já não fosse bárbaro o suficiente, o caso fica ainda mais cruel porque o crime divulgado jamais existiu de fato: a polícia confirmou, posteriormente, que jamais houve quaisquer denúncias sobre os sequestros de crianças no Guarujá.
Nascida no Rio de Janeiro, Fabiane Maria de Jesus se encontrou com Jaílson no seu aniversário de 16 anos. Anos depois, eles se reencontraram no Guarujá e após três meses já estavam namorando. O casal teve duas filhas.
Jaílson disse que a mais velha é parecida com ele, mais calada. Já a caçula puxou a mãe. Muito mais solta e comunicativa. "Tive de colocar sozinho o barco para andar", declarou o viúvo, como repercutido pela Folha em 2018.
Ele disse que Fabiane era uma mulher "boa, extrovertida, alegre, que conversava muito e pegava amizade fácil". Além de conversadeira, ela também gostava muito de fazer cursos: "hotelaria, tricô, informática, um monte deles", explicou.
Na casa da família, Fabiane já não está mais presente, pelo menos não em bens materiais. Suas roupas e objetos pessoais foram doados e Jaílson já estava se relacionando com outra pessoa quando foi entrevistado — no final de 2018.
Apesar da tentativa de se reerguer, as filhas de Fabiane ainda sentiam uma lacuna deixada pela mãe. A mais velha, que viu na internet as fotos do linchamento, não comentava sobre o assunto. A mais nova, que tinha apenas um ano quando perdeu a mãe, diz apenas que a matriarca está no céu.
A única recordação de Fabiane é uma Bíblia antiga onde está marcado seu nome e telefone na contracapa. O livro Sagrado foi o mesmo que a dona de casa saiu para buscar no dia em que foi covardemente assassinada.
Enquanto levava socos, chutes e todos os tipos possíveis de agressão, pessoas que viram a Bíblia nas mãos de Fabiane disseram que o livro era uma publicação de magia negra. Também foi falado que os santinhos, que eram usados como marca páginas, seriam fotos das crianças que ela havia sequestrado.
Não há uma explicação sobre como as agressões contra Fabiane começaram. Ao que tudo indica, pelo menos é a versão mais vinculada, é que ela encontrou uma criança no meio da rua e lhe ofereceu uma banana. A cena foi presenciada pelos pais da criança, que acharam a dona de casa parecida com a "Bruxa do Guarujá" — como a fake news tratava a tal sequestradora.
A partir daí, eles avisaram um rapaz que já teria chegado batendo em Fabiane. Todas as informações obtidas pela polícia partem após o linchamento já ter sido iniciado. Mas isso não impediu que cinco homens fossem presos por participarem no bárbaro ato.
Além da reclusão, uma pena máxima de 30 anos cada, também ficou determinado o pagamento de uma indenização à família no valor de 550 mil reais. Apesar da decisão, o pagamento desse valor é visto como "simbólico", já que dificilmente os condenados terão condições de arcar com essa quantia.
Os cinco réus continuam presos até hoje, mas os responsáveis por divulgarem a falsa notícia nas redes sociais não sofreram qualquer tipo de punição. O caso de Fabiane Maria de Jesus é um dos primeiros do Brasil onde uma 'fake news' levou à morte de uma inocente.
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