O maior acidente nuclear da história teve muitos impactos sociais, que mobilizaram uma comunidade de senhoras a se habituar à radiação
Vanessa Centamori Publicado em 06/08/2020, às 16h22
Em 26 de abril de 1986, quando o reator número quatro da Usina Nuclear de Chernobyl explodiu, na Ucrânia, os arredores do local nunca mais foram os mesmos — afinal a radiação do desastre foi lançada em uma quantidade terrível, que equivale a de 400 vezes a da bomba de Hiroshima.
O saldo resultante ultrapassou cerca de 90 mil mortos, se forem incluídas as mortes diretas ou indiretas do acidente. Não por acaso, resquícios das substâncias letais ainda pairam no ar até hoje.
Entretanto, nem assim a paisagem nociva deixou de ser cenário para as babushkas (traduz-se vovós), uma comunidade de cerca de 100 mulheres idosas, que se recusaram a deixar a área por tradição e apreço aos seus lares. "Se você deixar [Chernobyl] você morre"; “Quem saiu agora está pior, morrendo de tristeza", justificaram algumas das senhoras, ao The Guardian.
Entre câmeras e radiação
As anciãs de Chernobyl são tema do documentário de 2015, The Babushkas of Chernobyl (As Babushkas de Chernobyl), de Holly Morris e Anne Bogart, produzido três décadas após o acidente.
Nos bastidores da produção, Morris poderia permanecer nos arredores fantasmagóricos da usina nuclear somente das 9h às 17h da tarde, por razões de segurança. Passava por exames cautelosos e o guia da jornada carregava um medidor de radiação. Mas, os perigos não pareciam preocupar as idosas moradoras da região inóspita.
Uma das babushka que foi entrevistada pela diretora Holly Morris se chama Hanna Zavorotyna. A história dela é emocionante: sobreviveu à fome durante o governo de Josef Stalin e aos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Então, ainda que a radiação fosse perigosa, a forte mulher não quis desistir de ficar: Chernobyl seria apenas mais uma de muitas tragédias vividas pela senhora.
E olha que o episódio radioativo foi marcante. Para se ter uma ideia, a cidade de Pripyat e os arredores da usina nuclear viraram aldeias vazias. Foram removidas 210 mil pessoas. Porém, estima-se que cerca de 1,2 mil retornaram. No caso de Hanna, por exemplo, ela se escondeu em arbustos para poder voltar e despistar os soldados que guardam a região. Alguns oficiais desistiram eventualmente de conter os moradores "clandestinos".
Muito preconceito também foi enfrentado pelas idosas por elas viverem próximas à Chernobyl, conforme contou uma delas à BBC em 2016. "Foi muito difícil. Alguns de nós tiveram pedidos por água negados, porque as pessoas tinham medo. Elas achavam que a gente trazia radiação", relatou Maria Shovkuta.
Vida na zona radioativa
A maioria das idosas de Chernobyl perderam os maridos ao longo do tempo. Elas passam a vida cotidiana conversando umas com as outras, criando galinhas e porcos. Também plantam legumes e verduras; colhem frutas e cogumelos na floresta; e ainda pescam e bebem água de poços.
A vida, sob o ponto de vista das babushkas, parece ser melhor onde estão do que se tivessem aderido ao êxodo forçado. Isso é comentado por Valentyna Ivanivna, de 75 anos. “Em Kiev, eu já teria morrido há muito tempo, já teria morrido cinco vezes. Todos os carros lançam a tabela periódica inteira no ar, e você coloca tudo aquilo para dentro do pulmão”, disse.
Ainda assim, as condições para as babushkas não são fáceis. Divididas em aldeias com uma média de 12 integrantes, elas dependem do trabalho das próprias mãos e praticam agricultura de subsistência para terem o que comer. Muitos parentes das donas vivem fora da zona de exclusão, o que dificulta contato.
Algumas trocas de produtos e comida são feitas com pessoas que vivem enfrentando a radiação, sobretudo operários de obras ou trabalhadores da manutenção da zona de exclusão.
Outra questão, que vai além das dificuldades econômicas, são as doenças. Os riscos dos compostos radioativos aumentam a incidência de cânceres e o diagnóstico é tardio devido à falta de acompanhamento frequente. Desde a tragédia, milhares de pessoas vítimas do acidente nuclear tiveram câncer de tireoide, que é tratável, e cuja taxa de sobrevivência na Ucrânia é de 99%.
Entretanto, a diretora Holly Morris relata que grande parte da população que vive sob os perigos da radiação morrem de derrame cerebral. E é certo que muitas babushkas falecem já em idade avançada. Algumas por razões que, ironicamente, não aparentam terem relações diretas com os perigos de Chernobyl. Ainda assim, a área permanece impregnada por substâncias como césio, estrôncio e amerício.
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