O rei do rock, Mr. Elvis Pelvis, fazendo sua revolução. - Pixabay

A invenção da juventude

Foi só no século 19 que se chegou a ideia de que existe algo entre criança e adulto

Lidiane Aires e Fábio Marton Publicado em 28/01/2017, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h35

Houve uma época, e não era há tanto tempo assim, em que não havia adolescentes. As crianças eram vestidas de forma engraçadinha, como marinheiros, escoteiros ou o que estivesse na moda. Então chegava o dia, entre os 10 e 14 anos, em que abandonavam as calças curtas. A partir daí se esperava que seu comportamento imitasse em tudo o dos adultos - o mesmo jeito de se vestir e falar, os mesmos gostos e obrigações, inclusive a de trabalhar.

A adolescência não deve ser confundida com puberdade. Puberdade é o processo fisiológico de transformação do corpo infantil em adulto, que ocorre em algum momento durante a adolescência, por meio da liberação dos hormônios sexuais - é o mesmo processo em todos os povos e desde a Idade da Pedra, ainda que, por motivos não muito claros, ela acontecesse mais tarde antigamente. Até o século 19, a idade da primeira menstruação ficava entre os 15 e 17 anos - hoje ocorre entre 11 e 13 anos. Já a adolescência é uma construção social, a ideia que exista uma fase transitória na vida, em que não se é nem adulto nem criança.

Se o desenvolvimento biológico do corpo humano é o mesmo desde que saímos da savana africana, a ideia de que haja uma fase de transição, em que não somos nem crianças nem adultos, é uma invenção recente. A maioria dos povos tinha uma idade específica para considerar alguém adulto - isso sobrevive em festas de debutantes, no bar mitzvah dos judeus e na crisma dos católicos. E mesmo na lei, que dá uma data arbitrária para a maioridade. A palavra "adolescente" foi cunhada em 1898, pelo psiquiatra americano Granville Stanley Hall, e passou a ser usada apenas entre psicólogos.

Não como nossos pais

O termo só se tornou popular depois da Segunda Guerra, pela mesma época em que nascia o rock and roll, a primeira revolução cultural que só afetava os jovens: o rock era a música que eles ouviam, mas os adultos desprezavam - assim como o estilo de se vestir e o comportamento, que vinham atrelados. Só então nasceu a juventude como conhecemos hoje.

Se o rock foi o "detonador", o barril de pólvora da juventude já vinha sendo carregado por mais de um século. De um lado, havia a idealização da juventude nascida no romantismo, que prezava os sentimentos intensos, a energia natural e a falta de compromisso dessa fase da vida. Do outro, um pânico legítimo. Ao final do século 19 e começo do 20, a urbanização, a explosão demográfica e as condições precárias das classes trabalhadoras levaram à formação de gangues em grandes cidades, como os hooligans de Londres e os apaches de Paris. Essas gangues tinham um estilo próprio de se vestir e incluíam moças, sexualmente liberadas, ainda que dominadas pelos homens. Mas seu estilo de vida era inaceitável: a principal atividade era o crime, o que incluía extorsões, guerras de gangue e assassinatos sob encomenda. "Esse era um mundo inteiro em si mesmo. Todas as regras usuais eram viradas de cabeça para baixo", afirma o jornalista britânico Jon Savage em seu livro A Criação da Juventude.

A juventude era um problema e a solução foi enquadrá-la. No século 19, surgiam as primeiras leis de ensino obrigatório, a princípio só para o primário. Enquanto isso, nacionalistas começaram a pregar pela militarização do jovem de forma a disciplinar sua energia. Assim, em 1908, o tenente veterano inglês Robert Baden-Powell lançava seu livro Scouting for Boys, a base do escotismo. Powell vinha de uma longa carreira em guerras coloniais inglesas, nas quais havia usado adolescentes como mensageiros e para auxiliar soldados feridos. Scout em inglês quer dizer reconhecimento - e as atividades propostas por Powell eram apenas uma adaptação do treinamento militar de reconhecimento. O movimento criaria imitadores pelo mundo todo, até em países socialistas e no nazismo - o mais infame deles, a Juventude Hitlerista, era obrigatória para os meninos a partir de 10 anos e misturava treinamento de escoteiro com doutrinação racista. Os nazistas até proibiram os escoteiros regulares para evitar concorrência.

Geração silenciosa

Os soldados que voltaram da Segunda Guerra casaram, constituíram família e tiveram longas carreiras na recuperação econômica de seu país. Seguiu-se um boom econômico e com isso uma nova classe de consumidores acabou reconhecida. Jon Savage marca 1947 como o início da visão do adolescente como consumidor - o lançamento da revista americana Seventeen, voltada para meninas do ensino médio. E também a origem do termo popular para adolescente em inglês, teen (que vem da sílaba final dos números entre 13 e 19).

Em 1951, O Apanhador no Campo de Centeio, do americano J. D. Sallinger, tornou-se o primeiro best-seller com um protagonista adolescente - o texto é cheio de gírias e trata de assuntos tabu para a época, como a homossexualidade. Mas há mais que isso. O protagonista é Holden Caufield, 16 anos, que resiste a se integrar à sociedade adulta. Caufield virou ícone da geração que, enfim, fez a ruptura e a primeira revolução sexual. Quem era jovem demais para participar da Segunda Guerra, os nascidos entre 1925 e 1945, acabou fazendo parte da "geração silenciosa". O título vem de um artigo da revista Time de 1951, em que se manifestava a preocupação com os jovens, considerados convencionais, fatalistas e de "moral confusa". Era uma geração "sem voz", em ideias e política - nenhum presidente americano nasceu nessa geração. Em breve, seriam os adultos que iriam implorar por silêncio.

O rock nasceu da cabeça de artistas de rhythm & blues, como Jimmy Preston e Goree Carter, que disputam a autoria do primeiro rock em 1949 (Rock the Joint e Rock Awhile, respectivamente). Mas a coisa só se tornou fenômeno de massas em 1954, com Elvis Presley, o rapaz branco bonitão que cantava a música dos negros. "Tanto Elvis quanto o rock contribuíram como elementos detonadores de toda essa transformação que atingiu o jovem do mundo ocidental, em particular o americano. Ambos proporcionaram uma liberação do corpo nunca vista e trouxeram a certeza de que o jovem poderia ser mais atuante", diz Herom Vargas, professor de história da cultura da Universidade Metodista de São Paulo.

Calça jeans e camiseta


O barulho veio por rádio, cinema e, a última novidade da época, a televisão, na qual se apresentavam Bill Haley, Carl Perkins, Chuck Berry, Bo Diddley, Little Richard e, claro, Elvis Presley. Elvis, ele próprio filho da geração "silenciosa", tornou-se o primeiro e maior ícone do rock. Nascido no Mississipi, morando em Memphis, era pobre e ganhava a vida como caminhoneiro, tal como o pai. Seu sucesso veio quando gravou seu primeiro álbum, com It's All Right, Mamma. "Além de bonito e talentoso, Elvis era um branco com voz de negro, uma verdadeira representação da quebra de padrões que surgia na época", afirma Waldenyr Caldas, professor de sociologia da cultura da Escola de Comunicação e Artes da USP e autor do livro A Cultura da Juventude.

Mas o rock é só uma parte da equação: era o som da geração, transbordava sexualidade, mas não tinha nada de rebelde. Os roqueiros se vestiam de forma bem cafona, e sua música falava de festas, carros e garotas. A rebeldia - e o estilo de se vestir - veio mesmo do cinema. O niilismo da "geração silenciosa" acabou notado por Hollywood, e daí vieram filmes com os de Marlon Brando (Um Bonde Chamado Desejo, 1951, e O Selvagem, 1953) e James Dean (Juventude Transviada, 1955). Até 1951, camiseta era considerada roupa de baixo - em Um Bonde, representava o desleixo sensual do personagem de Brando e daí tornou-se a primeira peça do uniforme da juventude. Os jeans, antes coisa de caubói, aparecia em todos esses filmes e tornou-se outra peça do " uniforme".

O rock veio, chocou senhoras e mães de família, fez senhores e pais de família arrancarem os cabelos de preocupação, mas, no início dos anos 60, parecia ultrapassado. O estilo não tinha o menor respeito - era considerado uma moda exclusivamente adolescente, cafona e anti-intelectual. Os rebeldes sem causa cresceram e se conformaram. Ou acharam causa, como Che Guevara, ilustre membro da geração silenciosa, nascido em 1928, que fez seu On the Road latino em 1951, que virou o filme Diários de Motocicleta, em 2004. O rock só começou a ser levado a sério nos anos 60, com o sucesso dos Beatles - mas aí é outra geração, e outra revolução.


De geração em geração

A classificação foi criada pelos historiadores William Strauss e Neil Howe no livro Generations (1991, sem tradução). As datas de início e fim são controversas - outros autores as jogam mais para a frente ou para trás.

► Grande Geração (1901-1924)
Quem teve idade para presenciar e lutar na Segunda Guerra. Eram tidos como conservadores, mas alguns de seus membros tornaram-se ícones para os jovens. Personagens: Marlon Brando (1924-2004), J. D. Sallinger (1919-2010) e Jack Kerouac (1922-1969).

► Geração Silenciosa (1925-1942)
Geração do rock'n'roll e da revolução sexual.De silenciosa, tinha pouco. Personagens: Elvis Presley (1935-1977), Miles Davis (1926-1991) e John Lennon.(1940-1980).

► Baby Boomers (1943-1960)
Filhos da prosperidadee otimismo do pós-guerra, que causou um súbito aumento populacional (o "boom" de bebês). São ageração dos hippies e primeiros punks. Personagens: Janis Joplin (1943-1970), David Bowie (1947-2016) e Joey Ramone (1951-2001).

► Geração X (1961-1981)
Bem menos idealistas - e, em países desenvolvidos, em menor número - que os boomers, são tidos como cínicos e niilistas, focados em vitórias pessoais. Personagens: Kurt Cobain (1967-1994),  Kanye West (1977-) e Jack White (1975-).

► Geração Y (1981-1990)
Também chamados de Millenials. São mais próximos dos pais que os membros da Geração X. Tendem a morar em casa até mais tarde e se interessam por política. Personagens: Lady Gaga (1986-), Nicky Minaj (1982-), Mark Zuckerberg (1984-).

► Geração Z (1990-)
Os membros dessa geração tiveram contato direto com a internet - e música por download - desde a infância. São 100% digitais. Tendem a ser mais conservadores que a geração Y. 
Personagem: Justin Bieber (1994-), Miley Cyrus (1992-), Emma Watson (1990-).


Saiba mais

A Criação da Juventude - Como o Conceito de Teenage Revolucionou o Século 20, Jon Savage, Rocco, 2009

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