Os alunos Carlos Nogueira Cabral e Gelson Reicher - Joyce Tenório
Ditadura

Dois estudantes da Faculdade de Medicina mortos na ditadura militar são diplomados

Gelson Reicher e Antônio Carlos Nogueira Cabral estão entre os 33 estudantes da Universidade vítimas do regime militar e agora são homenageados

Erika Yamamoto, via Jornal da USP Publicado em 02/09/2024, às 10h40

Em uma cerimônia solene que lotou o Teatro da Faculdade de Medicina, Carlos Nogueira Cabral e Gelson Reicher – dois estudantes mortos durante a ditadura militar brasileira – foram homenageados e diplomados pela Universidade. A solenidade integra o projeto Diplomação da Resistência, que prevê conceder diplomas honoríficos de graduação aos 33 estudantes da USP vítimas do período.

“A função da Universidade é servir à sociedade, é isso que legitima a nossa existência. Devemos ter os mesmos valores da sociedade, ser capazes de fazer um juízo crítico do que acontece no País e estar sempre do lado da população brasileira. A cerimônia de hoje, com a presença de nossos ex-alunos e dos familiares daqueles que sofreram durante a ditadura, reforça que não podemos mudar o passado, mas podemos mostrar às gerações futuras que isso nunca mais deve se repetir”, ressaltou o reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior.

Para a vice-reitora Maria Arminda do Nascimento Arruda, “com essa iniciativa, queremos dizer que não nos identificamos com o horror, não nos identificamos com ditaduras e autoritarismos. A Universidade reafirma que é seu compromisso estar identificada com os diretos humanos, com a liberdade, sem a qual não há a mínima possibilidade de livre pensamento nem de construção da ciência”.

Eloisa Bonfá, diretora da Faculdade de Medicina, afirmou que “estamos aqui para honrar a coragem e a determinação de estudantes que, em um período sombrio de nossa história, escolheram resistir. Eles são faróis de força e compromisso com os valores que tanto prezamos: justiça, liberdade e respeito aos direitos humanos. Esse evento é um passo essencial em nosso caminho de reconciliação e memória, reafirmando nosso compromisso com a verdade e com aqueles que foram injustiçados”.

A cerimônia de Diplomação Honorífica de Antônio Carlos Nogueira Cabral e Gelson Reicher aconteceu na noite desta quarta-feira, dia 28 de agosto, no Teatro da Faculdade de Medicina - Cecília Bastos/USP Imagens

 

Resultado de uma parceria entre a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), a Pró-Reitoria de Graduação (PRG), a vereadora paulistana Luna Zarattini e o coletivo de estudantes Vermelhecer, o projeto Diplomação da Resistência é uma forma institucional de reconhecer e reparar as violências, torturas, perseguições, mortes e desaparecimentos ocorridos durante os 21 anos de ditadura. Os homenageados foram selecionados a partir das investigações conduzidas pela Comissão da Verdade da USP, que se dedicou a reconhecer e reparar as injustiças do passado.

Lançado em 15 de dezembro de 2023, o projeto teve como primeiros homenageados os estudantes Alexandre Vannucchi Leme e Ronaldo Queiroz, alunos do Instituto de Geociências (IGc) e militantes do movimento estudantil.

“Para nós, realizar uma cerimônia como essa, com caráter oficial, com as dimensões da reparação, da memória e da integração efetiva desses alunos no quadro de formandos da Faculdade de Medicina, é muito importante, tanto para os familiares quanto para a própria Universidade, e reforça o compromisso da nossa instituição com a democracia e com o Estado de Direito”, explicou a pró-reitora de Inclusão e Pertencimento, Ana Lanna.

Militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN), Antônio Carlos Nogueira Cabral e Gelson Reicher foram assassinados pela ditadura militar em 1972, quando tinham 23 anos. Cabral e Reicher foram, respectivamente, presidente e diretor do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz (CAOC) e tiveram forte envolvimento com o Grupo de Teatro da Medicina (GTM), dirigido por Reicher de 1969 até 1971.

“Esses jovens estudantes da nossa Faculdade de Medicina tiveram seus sonhos e projetos de vida prematuramente interrompidos, vítimas da arbitrariedade perpetrada pelo regime ditatorial iniciado no Brasil há 60 anos. Como bem sabemos, a USP cultiva, desde a sua fundação em 1934, valores que aliam a experiência acadêmica, o respeito à diversidade, o pluralismo de ideias, a dignidade das pessoas – valores que certamente moviam Cabral e Gelson em seus projetos de vida pela construção de uma sociedade mais justa”, afirmou o pró-reitor de Graduação, Aluisio Segurado.

Na mesa, da esquerda para a direita, Ana Lúcia Duarte Lanna, Aluísio Augusto Cotrim Segurado, Carlos Gilberto Carlotti Junior, Maria Arminda do Nascimento Arruda, Eloisa Silva Dutra de Oliveira Bonfá, Renato Cymbalista e Tales de Areco Chaves - Cecili

 

Na última parte do evento, o professor do Departamento de Medicina Preventiva, André Mota, falou sobre a importância da memória e da repactuação com a história. Em seguida, o professor Moisés Goldbaum fez uma homenagem aos demais alunos perseguidos pela ditadura, e os ex-alunos Eva Skazufka e Reinaldo Morano, sobreviventes, fizeram um relato sobre suas experiências na militância política, com a tortura e a prisão.

A cerimônia também contou com a participação do diretor de Direitos Humanos e Políticas de Reparação, Memória e Justiça da PRIP, Renato Cymbalista; do representante do Diretório Central dos Estudantes (DCE) Livre da USP, Jônatas Magalhães; do presidente do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz, Tales de Areco Chaves; além de familiares e amigos dos homenageados.


*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

Brasil São Paulo ditadura tortura mortes estudantes Regime militar homenagem perseguição

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