Selton Mello como Rubens e Fernanda Torres como Eunice em 'Ainda Estou Aqui' - Divulgação
Ainda Estou Aqui

Ainda Estou Aqui: Como os filhos de Eunice Paiva enxergam o filme?

Sucesso nos cinemas brasileiros, Ainda Estou Aqui retrata uma história real que se passa nos dolorosos anos da ditadura militar

Felipe Sales Gomes, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 09/11/2024, às 10h30 - Atualizado em 12/11/2024, às 07h12

A psicóloga social Vera Paiva, filha mais velha de Eunice e Rubens Paiva, descreve o novo filme "Ainda Estou Aqui", que estreou na última quinta-feira nos cinemas, como um "psicodrama público".

Psicodrama é uma técnica coletiva da psicoterapia que utiliza o teatro como ferramenta para tratar diferentes sofrimentos psíquicos. O psicoterapeuta assume o papel de diretor e, inicialmente, um dos pacientes compartilha com o grupo um problema pessoal ou trauma, relatando um episódio que, em sua percepção, é a raiz de seu sofrimento.

Em seguida, os outros participantes encenam a situação, assumindo papéis e representando a cena traumática.

"Ainda Estou Aqui" representa a materialização do maior trauma vivido pela família Paiva: o sequestro e execução de Rubens durante a amarga e incontornável ditadura militar brasileira.

Dirigido por Walter Salles, o filme é o escolhido para representar o Brasil em possível indicação ao Oscar de melhor filme internacional em 2025. Baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, a produção narra a luta enfrentada por Eunice (Fernanda Torres) ao investigar as causas do desaparecimento do marido.

Impressões

Em entrevista ao Globo, os filhos do casal Paiva — Vera, Eliana, Ana Lúcia, Marcelo e Maria Beatriz — compartilharam suas impressões sobre o filme de Salles.

"Vi um copião, ainda sem trilha sonora, em casa. A cena da prisão da minha mãe me pegou. Precisei parar e sair para fumar", desabafou Vera. Ela ressalta o efeito libertador da produção para a família: "Esse filme ajudou a reparar os efeitos que esse silêncio teve em nós. Não tocávamos no assunto. Minha mãe não falava da prisão."

Vera conclui: "Agora, família virou coisa de direita. Mas nós também somos família. Nós também queremos uma pátria, mas uma pátria diferente, sem desigualdade, com justiça social e solidariedade."

Eunice e seus 5 filhos (real X filme) - Divulgação

 

Eliana, por sua vez, relembrou do período que esteve em cárcere com à mãe, retratado em "Ainda Estou Aqui": "Tenho amigos que me conhecem há 40 anos e descobriram pelo filme que fui presa. Eu nunca falei da minha prisão, embora ela tenha sido noticiada pela imprensa".

Me mostraram um trabalho de escola meu sobre a Tchecoslováquia e me acusaram de ser comunista. Me apalparam, bateram na minha cabeça. Uma hora, quebrei o pau com eles, comecei a falar que aquilo era ilegal, que eu era menor de idade. Fiquei 24 horas presa", acrescenta Eliana.

Ana Lúcia relembra as marcas do choque que foi a prisão da mãe para a família: "Os 12 dias que a minha mãe passou na prisão são um branco na minha cabeça. Ela chegou em casa acabada. Não era mais a minha mãe. Voltou muito magra, abatida, quase não falava com a gente. Foi aí que entendi que o negócio era sério."

"Eu dizia na escola que o meu pai tinha morrido num acidente de automóvel. Torturaram e mataram o meu pai, olha a vida que a minha mãe teve, que a gente teve. E olha como eu estou me vingando: com um filme!", complementa Nalu.

Selton Mello como Rubens Paiva - Divulgação

O escritor Marcelo Rubens Paiva revela que era o mais propenso entre os 5 filhos a falar sobre o caso: "Sempre abordei esse assunto sem nenhum constrangimento, inclusive com a minha mãe. Minhas irmãs não falavam entre elas, mas eu falava o tempo todo, sem parar".

Marcelo conclui: "A principal lição que Eunice Paiva deixa é recusar o papel de vítima, é não baixar a cabeça. Ela ficou com cinco crianças e sem dinheiro nenhum, mas não parou, tocou em frente, se reconstruiu, priorizou sua integridade enquanto mãe."

Por fim, Maria Beatriz relembrou a comoção que o filme lhe causou: "Eu só chorava. Foi uma catarse. Senti uma tristeza muito forte, um luto, que durou semanas. Até pensei em voltar para a terapia. Nunca tive coragem de perguntar para a minha mãe sobre a prisão."

"Minha mãe era o silêncio em pessoa. Ela não chorava. Levantou a cabeça e seguiu em frente. Ela era muito contida e racional. Quando dava entrevistas sobre o caso do meu pai, se mostrava uma mulher muito calma e inteligente. E era mesmo", concluiu a filha mais nova de Eunice.

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