A ideia de que o frio é mais propício para o avanço tecnológico foi disseminada durante os séculos 19 e 20. No entanto, a História mostra que ela está errada
Redação Publicado em 14/11/2019, às 09h00
É um velho clichê dos momentos de baixa autoestima nacional. O Brasil não foi pra
frente porque é quente demais. Será que há algum sentido nisso?
A teoria de que ambientes frios seriam mais propícios para o desenvolvimento de civilizações tecnologicamente avançadas foi bastante disseminada nos séculos 19 e 20. O argumento por trás dela é de que o clima frio teria oferecido desafios extras à sobrevivência, favorecendo então um processo de evolução da sociedade. Nos trópicos, onde “bastaria estender a mão” para apanhar uma fruta, as pessoas teriam ficado
indolentes, sem razão para avançar.
É uma farsa. Existem múltiplos exemplos de culturas avançadas nos trópicos. As mais antigas civilizações de que se tem registro se desenvolveram em regiões tropicais e
subtropicais — os sumérios, egípcios e a civilização do vale do Rio Indo.
Nas Américas, os poderosos maias e astecas estavam em regiões tropicais, enquanto os nativos dos gélidos Canadá e Patagônia não atingiram a mesma sofisticação. No Pacífico,
os reinos da Indonésia eram muito mais ricos que aqueles da Nova Zelândia, onde neva todo ano. E assim por diante: a História prova que não há nada de errado com os trópicos.
O “atraso” das regiões tropicais só surgiu com a Revolução Industrial, no século 18, que fez a Europa ganhar uma vantagem tecnológica sem precedentes. Antes, europeus estavam longe de ser imbatíveis.
Segundo Eduardo Natalino, professor de história da USP, a narrativa climática é fruto da mentalidade colonial, justificando sua dominação dos trópicos: “Esse modelo, no século 19, via a si mesmo como o ápice da evolução humana”.
Principalmente na África, o atraso dos trópicos acabaria sendo uma profecia que se autorrealizou. O colonialismo destruiu o modo de vida e as estruturas políticas tradicionais, favorecendo alguns grupos em detrimento de outros, e causando o
rancor anticolonial — ingredientes para episódios explosivos ainda hoje. E, em estado constante de guerra, nenhuma civilização pode florescer.
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