Na época, o exemplo vinha de cima - Divulgação - Weberson Santiago (Aventuras na História)
Brasil

A inacreditável falta de higiene no Brasil do século 19

Um observador inglês registrou o hábito dos brasileiros de comerem com os dedos e urinar em público

Coluna - Mary Del Priore Publicado em 12/09/2020, às 10h00

Ninguém mais come com as mãos, arrota, defeca ou urina em público. Porém as práticas em torno das necessidades fisiológicas percorreram uma longa estrada antes de serem adotadas. A palavra higiene, por exemplo, não constava dos dicionários do século 19, momento em que viajantes estrangeiros passaram pelo Brasil. Mas nem por isso o tema lhes escapou.

Segundo eles, as casas eram “repugnantemente sujas”. Raramente o interior era limpo. Água no chão? Nunca. A fim de deixar os quartos toleráveis e expulsar o mau cheiro, costumava-se queimar plantas odoríferas, que serviam também para espantar mosquitos, baratas e outras imundícies.

Penicos estavam em toda a parte e seu conteúdo fresco ia para as ruas e praias. O comerciante inglês John Luccock, em 1808, queixavase que entre as piores inconveniências domésticas havia certa “tina destinada a receber todas as imundícies da casa, que, nalguns casos, é levada e esvaziada diariamente, noutros, somente uma vez por semana, porém sempre carregado, já sobremodo insuportável”.

O hábito de despir-se era também observado na hora das refeições: os homens tiravam sapatos, meias e outras “peças que o calor tornasse opressivas, guardando apenas o traje que a decência requer”, reportou Luccock. “Comem muito e com grande avidez. A altura da mesa faz com que o prato chegue ao nível do queixo; cada qual espalha seus cotovelos ao redor e colocando o pulso junto à beirada do prato, faz com que por meio de um movimento hábil, o conteúdo todo se lhe despeje na boca.

Os dedos são usados com tanta frequência quanto o próprio garfo.” Luccock dizia que as abluções não eram apreciadas. “Os pés são geralmente a parte mais limpa das pessoas. Os rostos, mãos, braços, peitos e pernas que, todos eles andam muito expostos em ambos os sexos, raramente recebem a bênção de uma lavada.”

Tal sujeira causava doenças de pele. Em correspondência com familiares em Portugal, o vice-rei, marquês de Lavradio, se vangloriava da saúde, acrescentando que “conserva-se bem sem sarnas, nem perebas, moléstia que aqui padecem todos”. Outra praga eram os
piolhos. Catá-los era prática que reunia alegremente as pessoas, mas estrangeiros a consideravam “repugnante”.

Defecar e urinar em público, expondo as partes íntimas, chocava. Mas o exemplo vinha “de cima”. Eduardo Theodor Boesche, cadete de cavalaria, com quartel na Praia Vermelha, assistiu a uma cena cujo protagonista foi o imperador dom Pedro I: “O vi uma vez trepar ao muro da fortaleza para satisfazer uma necessidade natural, e nesta atitude altamente indecorosa assistir ao desfile de um batalhão em continência. Tal espetáculo deixou atônitos a todos os soldados alemães, mas o imperial ator conservou inalterável a calma”.

Até o começo do século 19, “da higiene pública incumbiam-se as águas da chuva, os raios de sol e os urubus”, resumiu o historiador Capistrano de Abreu. As relações com a higiene e o pudor refletem como o processo civilizatório modelou gradualmente os usos e as sensações corporais.


Por Mary Del Priore - Doutora em história social com pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales, vencedora do Prêmio Jabuti e autora de Histórias Íntimas - Sexualidade e Erotismo na História do Brasil.


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