Uma discussão sobre a lista de obras "obrigatórias" do ensino brasileiro tomou conta do Twitter na última semana. Em entrevista à AH, Alessandra Braz e Welington Andrade explicam a problemática
No último sábado, 23, o youtuber Felipe Neto gerou polêmica ao compartilhar uma opinião considerada controversa em sua conta no Twitter, onde tem mais de 12 milhões de seguidores. No post, o influenciador criticou a “obrigatoriedade” de obras do realismo e romantismo brasileiros nas grades curriculares das escolas.
Segundo ele, “Álvares de Azevedo e Machado de Assis não são para adolescentes! E forçar isso gera jovens que acham literatura um saco”. Nos comentários do próprio post, seguidores de Felipe iniciaram uma discussão sobre o assunto.
Diversos profissionais — de professores a estudantes de biblioteconomia —, então, começaram a dar seus pontos de vista. Pensando nisso, o site Aventuras na História convidou dois especialistas para compreender a profundidade da polêmica.
Forçar adolescentes a lerem romantismo e realismo brasileiro é um desserviço das escolas para a literatura.
— Felipe Neto (@felipeneto) January 23, 2021
Álvares de Azevedo e Machado de Assis NÃO SÃO PARA ADOLESCENTES! E forçar isso gera jovens que acham literatura um saco. pic.twitter.com/ay4D763YpY
Sentimento de mundo
Professora de Literatura, Gramática e Redação, Alessandra Braz formou-se em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) e tem como pós-graduação uma especialização em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC). Para ela, a opinião dada pelo youtuber é “completamente equivocada”.
Na opinião da professora, Felipe “prestou um desserviço baseado principalmente em desconhecimento a respeito do assunto”. Isso porque ele se “esqueceu de uma prerrogativa importante da literatura: de que as obras clássicas, produzidas pelo Machado de Assis e por autores românticos, por exemplo, é universal e atemporal”.
Nesse sentido, na opinião de Alessandra, “não ler Machado de Assis é não ter acesso a algo fundamental para nossa construção enquanto seres humanos”. Principalmente de acordo com a teoria de um dos maiores críticos literários do país.
Relíquia íntima
“No texto ‘O direito à literatura’, Antonio Candido conseguiu sintetizar como ninguém o porquê que ler os clássicos da literatura não é uma obrigação, e sim um direito”, explica a educadora. “Ter acesso à Machado de Assis ou outros autores românticos e modernos é ter acesso à capacidade de humanização”.
Em resumo, “a função da literatura é nos organizar internamente”. “Às vezes você não sabe dar nome para uma emoção que está sentindo, mas lê um poema de Fernando Pessoa e está tudo ali”, explica a professora, que leciona para alunos do ensino médio.
Dessa forma, os clássicos vão além do papel de ampliar o conhecimento “acadêmico” dos jovens. “A leitura dos clássicos está muito além das provas e do vestibular. Você não lê pra entrar na faculdade, lê pra vida”, pontua Alessandra.
Por brasis que vêm de baixo
Para Welington Andrade, “todo e qualquer conteúdo escolar não se esgota nele mesmo”. Assim sendo, “não existem conteúdos inadequados ou chatos para a educação. O que existe são conteúdos mal aproveitados, mal explorados”.
Diretor da Faculdade Cásper Líbero e professor da instituição desde 1997, Welington é graduado em Artes Cênicas pela Uni-Rio e em Letras pela USP, onde também obteve os títulos de mestre e doutor em Literatura Brasileira.
Em sua opinião, “a ideia de que os jovens acham a leitura uma atividade entediante é tão velha quanto a própria escola”. “Será que o olhar irônico por meio do qual Machadode Assis denuncia os desmandos das classes dirigentes brasileiras já se esgotou? Por que será, então, que Criolo e Emicida citam Machado na letra de “Dedo na ferida”?”
Ao vencedor, as batatas!
Como alguém que acompanha os posicionamentos do influenciador, Welington pontua que “Felipe Neto tem prestado um belo serviço como comunicador de massa”. Mas também faz questão de explicar que silenciar autores clássicos “seria terrível”. Até porque, "muitas vezes o best-seller enche os olhos e esvazia a cabeça".
“A missão da escola é mostrar aos jovens que Álvares de Azevedo e Machado de Assis, dentre tantos outros escritores do chamado cânone literário, ainda têm muito o que falar”, explica. “Se não houvesse Shakespeare, por exemplo, grande parte das narrativas épicas das séries de TV atuais simplesmente não existiria.”
É isso que Alessandra defende quando fala que “a leitura dos clássicos é importante, porque mostra que experiências pelas quais estamos passando agora, já foram passadas por outras pessoas”. Daí o cunho atemporal das obras tidas como canônicas.
Na opinião da educadora, “sugerir uma modernização das listas dos livros obrigatórios é algo válido, que pode ser importante. Mas a gente não pode cair no radicalismo de que é uma coisa ou outra. Não podemos subestimar a capacidade do adolescente”.
Por fim, ela aponta que “quando o aluno não tem incentivo à leitura e, ao chegar no ensino médio, ele se depara com a palavra obrigação, sua tendência inicial é negar aquilo [os livros]. Mas essa primeira barreira cabe ao professor desmistificar”.
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