Em entrevista exclusiva ao site Aventuras na História, Robson Feitosa fala de um dos crimes que mais chocou o Brasil: 'Até então, para nós, era só mais um caso de homicídio'
Fabio Previdelli | @fabioprevidelli_ Publicado em 12/06/2021, às 00h00 - Atualizado em 27/02/2022, às 10h00
Na madrugada de 31 de outubro de 2002, a equipe H-Sul do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), que estava de plantão, recebeu um chamado da 27ª Delegacia de Polícia, do Campo Belo, sobre um duplo homicídio que havia ocorrido em uma residência nobre, localizada na rua Zacarias de Góes, Brooklin, na Zona Sul de São Paulo.
Ainda naquela noite, uma equipe de investigadores chefiada por Robson Feitosa, e o delegado titular, o Dr. Ricardo Guanaes, chegaram ao local para começar a entender o que tinha acontecido. “Até então, para nós aquele só era mais um caso de homicídio”, relembra Feitosa em entrevista exclusiva à equipe do site Aventuras na História.
Porém, o assassinato de Marísia e Manfred von Richthofen ia além do que pudera imaginar, se tornando um dos crimes mais bárbaros testemunhados pela sociedade brasileira.
“O primeiro passo foi dividir a equipe em algumas células, por exemplo, alguns integrantes da equipe fizeram varredura na rua, conversando com vizinhos pra ver o que tinha acontecido”, diz o investigador.
Já Robson, como de costume, levou seu equipamento de filmagem para registrar o passo a passo das investigações, que iam desde a entrada da casa até uma perícia dos corpos na cena do crime.
Por ser tratar de um assassinato em uma área nobre, onde as vítimas certamente possuíam certa relevância social, parte da imprensa já chegava ao local no decorrer da madrugada/manhã. Além do mais, o princípio de tumulto atraia a atenção dos mais curiosos.
Por volta das 9 horas da manhã, lembra Robson o pai dos Cravinhos, Astrogildo, chegou ao local e conversou com o chefe dos investigadores.
"Ele chegou depois, no decorrer da nossa investigação, nós estávamos cada um fazendo uma parte, aguardando a chegada da perícia".
Acostumado a investigar grandes casos de homicídios, como o do juiz Machadinho, que foi vítima do PCC, o chefe dos investigadores começou a notar alguns elementos suspeitos na mansão dos von Richthofen.
“Observei que [no local] não tinha nada, nenhuma marca de arrombamento; qualquer tipo de rompimento de barreira, enfim, isso estava bem nítido. Ou seja, alguém que havia entrado ali foi facilitado, alguém facilitou sua entrada ou ele tinha facilidade de entrar, com as ferramentas necessárias para isso, como chaves e tudo mais”, explica.
Outro ponto que chamou a atenção de Feitosa é que a casa havia sido pouco revirada, como se o criminoso soubesse ao certo o que fazer e o que procurar por lá. “Os locais que foram revirados eram pontuais, exatamente para tentar enganar a gente”, diz Robson. “Mas de uma maneira muito infantil, faltaram muitos detalhes que num crime real de homicídio ou latrocínio teria ocorrido”.
Além disso, a conversa com Astrogildo gerou algumas incoerências. Entenda através do áudio abaixo.
Robson conta que outro ponto, desta vez no local onde o casal von Richthofen foi assassinado, revelava algo incomum com outros crimes que ele investigou. “Percebe-se nitidamente que o pai foi tratado de uma forma diferente”.
“Se nós observarmos friamente o local, você percebe que o corpo masculino que estava lá foi limpo; enquanto que o corpo feminino, o da mãe, tinha uma toalha na boca, estava maltratado ao extremo”, prossegue.
A partir das imagens que a equipe do site Aventuras na História teve acesso, reveladas por Robson Feitosa, nota-se, de fato, que Marísia pareceu resistir as agressões que sofria.
Em certo ponto das filmagens, os investigadores chegam a especular que a mãe dos von Richthofen chegou a acordar enquanto o marido estava sendo morto e, ainda mais, tentou se defender das agressões — o que é evidenciado pelas luxações e hematomas em suas mãos.
“Então, nós observamos bem isso, a questão de limpar e tirar a sujeira. Qual criminoso ou qual ladrão que iria se preocupar em limpar um dos corpos? Então isso nos chamou a atenção”, pontua o chefe dos investigadores.
Porém, Robson pondera que o tratamento dado a Manfred não refletia um sentimento de dó ou piedade, diferente disso.
“Mesmo com tanta maldade colocada ali, num crime, eles [os criminosos] tinham algum tipo de respeito ou alguma coisa assim. É até irônico falar assim, mas tinha um carinho dentro dessa maldade”.
Cada detalhe descoberto na casa dos von Richthofen fizeram os investigadores ter certeza de uma coisa: aquele suposto latrocínio se mostrava fruto de uma grande encenação.
Para continuar a entender as peças desse teatro, alguns personagens precisariam ser ouvidos. Será que o roteiro deles revelaria algo ou as falas já estavam bem ensaiadas?
Com isso, como relata a criminóloga Ilana Casoy em ‘O Quinto Mandamento: caso de polícia” (Editora ARX), o delegado titular da Equipe H-Sul, Ricardo Guanaes, foi pessoalmente na casa da família Cravinhos buscar Suzane, Andreas e Daniel para prestar depoimento.
Antes disso, os três já haviam comparecido no 27º DP para lavrar o boletim de ocorrência, mas foram dispensados logo em seguida. Para o sucesso dos interrogatórios, a equipe de investigação travou uma estratégia: era importante que os três fossem ouvidos separadamente, sem que soubessem o que os outros disseram.
Apesar de nunca ter entrado numa delegacia de Homicídios, Andreas não demonstrava quaisquer sinais de fraqueza. Robson se lembra que, a princípio, o caçula só dava respostas comuns, sem nenhuma informação muito relevante, só se continha em dizer aquilo que lhe era questionado.
Em certo ponto, os investigadores acharam que seria melhor abrir o jogo com o jovem, e lhe contaram sobre o terrível destino de seus pais.
O chefe dos investigadores também relembra que, em certo momento, chegou a confidenciar para o garoto que suspeitava que sua irmã e seu cunhado estavam envolvidos no crime.
Feitosa recorda que a busca por respostas não foi encerrada num único dia, relatando que cada detalhe obtido com o passar das horas se tornava essencial, embora a equipe de investigação não tivesse margem para erros, afinal, se buscassem algo que não teriam certeza, poderiam comprometer o desenrolar do caso.
Porém, um detalhe chamou a atenção da equipe do DHPP, e esse ponto foi crucial para fechar o círculo das investigações: a moto comprada por Cristian Cravinhos.
“A coisa toda começa a cair quando o cunhado dela, que já sabíamos que não era policial, comprou uma moto. Mas como ele comprou uma moto? Com que dinheiro, já que ele não trabalhava?”, questiona Robson.
Na época, como recorda matéria publicada pela Folha de São Paulo, o irmão mais velho de Daniel, que atuava como mecânico, havia comprado uma moto Suzuki 1.100 cilindradas, cerca de dez horas depois do assassinato dos von Richthofen.
“Então, puxando, a gente descobre que quem deu esse dinheiro para a compra da moto foi a Suzane. Era uma moto grande. Assim, vai fechando o cerco, as contradições aparecem e a coisa toda cai”, diz o investigador.
De acordo com o jornal, a compra havia sido feita por um laranja, que pagou a moto à vista, com 36 notas de 100 dólares. O montante fora retirado de uma maleta de dinheiro que ficava no escritório de Manfred, dentro da mansão.
À polícia, pouco antes, em um de seus depoimentos, Suzane havia confidenciado que o pai deixava, semanalmente, cerca de oito mil reais dentro da mala, para serem usados conforme a necessidade da família — repondo o valor com o passar dos dias.
Após caírem em contradição inúmeras vezes, o crime acabou sendo confessado por Cristian na madrugada do dia 8 de novembro. Por meio de seu depoimento, Daniel e Suzane também foram detidos, confessando suas participações no crime logo em seguida.
“Para nós foi um absurdo, porque é um crime contra os pais. Uma filha bem criada, um filho também muito bem criado, uma família com potencial financeiro muito bom, estruturada... Então, nada justificava um duplo homicídio daquele, da forma em que foi orquestrada e como aconteceu”, diz Robson Feitosa.
“Para nós, choca, mas não é uma coisa de outro mundo, porque é o mundo de quem trabalha no Departamento de Homicídios”, conclui o chefe de investigações do DHPP — hoje, aposentado, após mais de 34 anos de carreira —, que ajudou nas investigações de um dos crimes que mais chocou a sociedade brasileira.