Vítimas brasileiras de tráfico humano são obrigadas a aplicar fraudes cibernéticas em um complexo controlado por grupos criminosos
No coração da Ásia, onde o rio Moei encontra a fronteira entre a Tailândia e Mianmar, um pesadelo se desenrola. Dois brasileiros, Luckas Viana dos Santos e Phelipe Ferreira, encontram-se aprisionados no KK Park, um complexo que abriga as chamadas "fábricas de golpes", verdadeiras prisões disfarçadas onde estrangeiros são forçados a aplicar fraudes cibernéticas.
Aliciados por falsas promessas de empregos em cassinos e call centers, os jovens foram levados para Mianmar, um país mergulhado em um conflito civil e governado por uma junta militar. A fragilidade institucional abriu espaço para que grupos criminosos, muitos de origem chinesa, montassem suas operações clandestinas, explorando a miséria e a desesperança de milhares de pessoas.
Os relatos dos brasileiros são chocantes. Jornadas de trabalho exaustivas, ameaças de morte, agressões físicas e condições de vida subumanas marcam o dia a dia no KK Park. "Trabalhamos 17 horas por dia, sem queixas, sem férias, sem descanso. Quem até o meio-dia não conseguisse nenhum novo cliente, ficava sem almoço. Se alguém reparasse que deixou de responder a um chamado, você era espancado, ou forçado a ficar horas de pé ", descreve Luckas à emissora alemã Deustche Walle.
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Luckas e Phelipenão são os primeiros brasileiros a ficarem no complexo.Patrick Lopes, de 24 anos, passou três meses em 2022: "As pessoas precisam saber o que acontece naquele lugar. É muito importante. É impressionante como no Ocidente ninguém sabe sobre aquilo. É um lugar que não deveria nem existir. Eu tive muita sorte, mas nem todo mundo tem", contou o rapaz.
A investigação da Deustche Welle revelou conexões entre o KK Park e o chinês Wan Kuok-koi, o Dente Partido, um dos líderes da tríade 14k. A organização criminosa, considerada uma das maiores do mundo, utiliza o complexo para lavar dinheiro obtido com fraudes cibernéticas e outras atividades ilegais.
O dinheiro movimentado por essas redes criminosas é colossal. Segundo o secretário-geral da Interpol, Jurgen Stock, os grupos podem estar arrecadando até US$ 3 trilhões por ano. A pandemia da Covid-19 acelerou o crescimento dessas operações, impulsionadas pelo anonimato online e por novos modelos de negócios.
"Impulsionados pelo anonimato online, inspirados por novos modelos de negócios e acelerados pela Covid, esses grupos do crime organizado estão agora trabalhando em uma escala que era inimaginável há uma década", declarou Stock em coletiva de imprensa.
Segundo 'O Globo', a Embaixada do Brasil em Yangon está ciente da situação e trabalha para resgatar os brasileiros. No entanto, a complexidade do problema e a atuação de grupos criminosos altamente organizados dificultam as ações.