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O que a dupla de bandidos norte-americanos fez depois que fugiu para a América do Sul

TEXTO Alexandre Rodrigues Publicado em 23/09/2014, às 17h29 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

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Butch Cassidy e Sundance Kid: fugidos para a Patagônia - Arquivo Aventuras
Butch Cassidy e Sundance Kid: fugidos para a Patagônia - Arquivo Aventuras

Butch Cassidy e Sundance Kid foram baleados. Refugiados numa casa miserável perto dos Andes, viram que não havia saída e então decidiram morrer enfrentando uma tropa do Exército da Bolívia. Foi assim que, na versão de Butch Cassidy & The Sundance Kid, filme de 1969 dirigido por George Roy Hill, terminou a aventura sul-americana de dois dos bandidos mais famosos dos Estados Unidos. Na vida real a história foi outra. Bem outra.

Cassidy e Sundance não vieram ao continente apenas para morrer na Bolívia, como mostra o filme. Antes do fim, sobreviveram como pacatos fazendeiros na Argentina e como perigosos assaltantes de banco em uma época em que a Patagônia reproduzia a vida dos tempos do Velho Oeste. A história por muito tempo foi vista como uma lenda, mas nas últimas duas décadas testemunhos, documentos e uma investigação do governo argentino revelaram detalhes da aventura sul-americana da dupla.

Nascido Robert Leroy Parker no estado norte-americano de Utah, em 1866, Butch Cassidy era filho de uma família de mórmons. Ele e Harry Longabaugh, nome de batismo de Sundance Kid, nascido quatro anos depois, cresceram empolgados com as histórias dos foras da lei do Velho Oeste. Os dois tentaram empregos comuns na adolescência – Butch, um derivado de butcher, ganhou o apelido após trabalhar em um açougue –, mas o apelo da vida selvagem os levou ao mundo dos crimes.

Em 1890, Butch já havia cumprido pena por roubo de cavalos e, ao sair da prisão, montou o “Bando Selvagem”, um grupo de criminosos da pesada. Os integrantes incluíam Elzy Lay, seu melhor amigo, William News Carver, Ben Kirkpatrick, Camila Hanks e Harvey “Kid Curry” Logan, o mais perigoso deles. Sundance, que também havia passado um tempo na prisão, se juntou ao grupo. Sob a liderança de Butch, o bando cometeu a mais bem-sucedida série de assaltos a bancos e trens da História dos Estados Unidos. Foram centenas de milhares de dólares roubados, uma quantia imensa de dinheiro para a época.

Assalto sem arma

As táticas do grupo confundiam as autoridades. Depois dos ataques, eles se dispersavam, e cada um seguia numa direção. Mais tarde, se reuniam no “Buraco na Parede”, uma região nas montanhas do Wyoming longe do alcance da lei e até hoje um lugar remoto, no pequeno rancho de Cassidy. É motivo de discussão o nível de violência empregado. Ainda que a evitassem e realmente praticassem assaltos sem o uso de armas, como dizem seus defensores, o bando se envolveu em tiroteios e matou três xerifes e dois delegados. Kid Curry também assassinou outro xerife e um delegado por vingança.

A Union Pacific, dona das ferrovias, colocou atrás do bando a lendária agência de detetives Pinkerton, que agia como uma espécie de FBI privado. Famosa por ter descoberto um dos planos para assassinar o presidente Abraham Lincoln, a agência tinha nomes como Frank Geyer, que prendeu H. H. Holmes, o primeiro serial killer norte-americano, e muitos ex-policiais, que tampouco evitavam a violência.

Vida na fazenda

Em 1901, a perseguição começou a funcionar. Elzy Lay foi preso pela morte de um xerife. Butch, Sundance e sua namorada, Etta Place, decidiram fugir para Nova York, onde, após uma temporada de farra na cidade, embarcaram no vapor Herminius para Buenos Aires. Ambos usavam nomes falsos. Butch passou a se chamar James Ryan. Seu parceiro e a mulher eram o senhor e senhora Harry Place. O curioso é que os dois não eram grandes amigos. O mais próximo de Butch era Elzy Lay, que comandava com ele o bando.

“Os Estados Unidos ficaram pequenos durante os últimos anos”, Butch Cassidy escreveu da Argentina para uma amiga. Com os nomes falsos, a dupla de bandidos se encontrou com o vice-cônsul honorário norte-americano em Buenos Aires, George Newbery, e manifestou a intenção de viver no país e criar gado. Foi Newbery que aconselhou a escolha da província de Chubut, onde havia uma colônia de galeses e ele próprio tinha um rancho. Com o que sobrou do dinheiro dos assaltos, compraram um sítio no Vale de Cholla e partiram de trem para a Patagônia.

No sul da Argentina, Butch, Sundance e Etta encontraram um território onde de alguma maneira a vida era como nos EUA. “O trio seguramente se sentiu atraído pela semelhança do Oeste e do isolado sul argentino, um território de pioneiros e onde o braço da lei ainda não havia chegado”, diz o historiador Marcelo Gavirato, autor de Buscados em la Patagonia (Procurados na Patagônia).

A casa construída com troncos horizontais, no estilo dos ranchos norte-americanos, costumava ser frequentada pelo governador e pelos vizinhos na pequena vila de colonos. Butch, Sundance e Etta eram admirados pela prosperidade. “Tenho 300 cabeças de gado, 1,5 mil ovelhas, 28 cavalos, dois peões que trabalham para mim, e além disso uma boa casa de quatro quartos, galpões, estábulo, galinheiro e algumas galinhas”, se vangloriou Butch na mesma carta à amiga.

Mas um assalto a banco mudou tudo. Dois homens descritos como norte-americanos roubaram o equivalente a US$ 100 mil em 14 de fevereiro de 1905 da agência do Banco de Londres em Tarapacá, no Chile. O crime ainda hoje gera discussão. A versão mais repetida é de que os dois bandidos, entediados com a rotina da fazenda, voltaram à vida de assaltos por diversão. Gavirato aponta evidências contrárias. Vizinhos disseram que eles estavam no rancho no dia do assalto. Além do mais, os assaltantes aparentavam 25 e 30 anos, enquanto os dois tinham perto de 40.

“Embora a evidência sugira que não foram eles, provavelmente sabiam quem fez e ajudaram a planejar o roubo”, diz Daniel Buck, autor de Digging up Butch and Sundance (Desenterrando Butch e Sundance). A essa altura, um agente da Pinkerton chegou à Argentina com uma foto do trio, distribuída às autoridades. O que acontece a partir daí é nebuloso. É quase certo que os dois, mais Etta Place e talvez Kid Curry, outro integrante da quadrilha nos EUA, assaltaram em 1907 o Banco de La Nación em Villa Mercedes. Houve perseguição, mas o bando fugiu pelos Andes.

Rumores apontam o envolvimento da dupla em outros roubos, no Chile e na Argentina. Bandoleiros chilenos e argentinos, como Ascencio Brunel, o “Demônio da Patagônia”, dominavam a região. E havia os norte-americanos: além de Cassidy e Sundance Kid, outra dupla de assaltantes, Robert Evans e William Wilson, viveu no território até ser morta pela polícia, em 1911. George Musgrave, “o último dos velhos foras da lei do Oeste”, também passou pela Argentina, e no mesmo 1911 fugiu para o Paraguai, onde ficou até morrer, em 1947.

De volta aos EUA?

Etta Place voltou em um vapor aos EUA em 1906 e dela não se ouviu mais falar. As cartas enviadas por Butch indicam que ele e Sundance trabalharam como guardas na mina de Vera Cruz, na Bolívia, onde também compraram terras. No dia 6 de novembro de 1908, a dupla roubou o pagamento da mina próxima de San Vicente. Na fuga, pediu abrigo numa casa, mas acabou traída pelo morador. Um cerco foi montado. Houve um tiroteio e os dois acabaram feridos. Os policiais ouviram um grito, um tiro e depois um segundo tiro. Mesmo assim a polícia ainda esperou o dia clarear para se aproximar da casa, quando encontrou os corpos.

A versão oficial é de que um dos bandidos, provavelmente Butch Cassidy, matou o amigo e cometeu suicídio. “A história apareceu nos jornais bolivianos”, diz Daniel Buck. “O mais alto (Sundance) foi baleado na testa e o mais baixo (Butch) na têmpora, o que é consistente com homicídio e suicídio”. A notícia, porém, não convenceu a Agência Pinkerton, que descartou os relatos bolivianos como “pura bobagem”. A recusa colabora para a lenda de que Butch voltou aos EUA. O governo argentino também seguiu acreditando e, em 1911, abriu investigação para encontrar os bandidos, ouvindo testemunhas e relatos sobre a passagem da dupla pela Patagônia.

Os parentes de Sundance nunca contestaram sua morte na Bolívia, mas até hoje continuam a ser descobertas “provas” de que Butch Cassidy sobreviveu. Ele seria William T. Phillips, autor de The Bandit Invincible (O bandido invencível), livro sobre sua saga, que voltou aos EUA após uma cirurgia plástica e viveu mais três décadas. Também teria supostamente morrido em Spokane, Washington, como Fred Harrison, ou em 1937, em Las Vegas, funcionário de um cassino. Outra versão, dada pela filha de Kid Curry, é de que Butch Cassidy morreu em um acidente de automóvel, em 1930 – mesmo ano em que teria sofrido uma pneumonia fatal no estado de Washington, segundo sua irmã Lula Parker. Sem contar que em 1898 Cassidy também foi dado como morto – no final, ficou provado, era outro homem.

Com a criação do FBI, em 1908, a Pinkerton perdeu espaço, se envolvendo cada vez mais com segurança privada – nos anos 60, abandonou o “detetives” que usava no nome. Hoje é subsidiária da companhia sueca Securitas AB, mas jamais suspendeu a busca por Cassidy e Sundance. Para Daniel Buck, a história da dupla encerra a Conquista do Oeste. “O Velho Oeste e a era dos bandidos a cavalo estava terminando, mas continuou por alguns anos do século 20. Ben Kilpatrick, outro membro do Bando Selvagem, foi morto em 1912 no Texas quando tentava roubar um trem. Seu cavalo foi encontrado perto. Alguns anos depois os bandidos estariam usando automóveis”, diz Buck.

TERRA DE FORAGIDOS - A América do Sul funcionou como íma para criminosos

RONALD BIGGS

Em um assalto audacioso, Ronald Biggs e outros 15 bandidos pararam um trem pagador no condado inglês de Buckinghamshire em 1963. Nenhum tiro foi disparado, mas um funcionário da ferrovia sofreu danos permanentes ao ser espancado pelos bandidos, que roubaram 2,6 milhões de libras, valor hoje equivalente a R$ 120 milhões. A quadrilha cometeu uma série de vacilos, levando à prisão de 11 integrantes, inclusive Biggs, que fugiu subornando os guardas, fez uma cirurgia plástica na França e se refugiu no Brasil em 1970. Em 1981, um grupo de aventureiros sequestrou Biggs e o levou para Barbados esperando recompensa, mas o governo brasileiro reagiu – ele tinha um filho no país, o cantor Mike Biggs –, levando à sua libertação. Biggs só voltaria à Inglaterra em 2001, se entregando às autoridades em busca de tratamento médico. Morreu em dezembro de 2013.

JOSEF MENGELE E OUTROS

A América do Sul foi refúgio para criminosos nazistas após o fim da Segunda Guerra. Os principais destinos foram a Argentina, Chile e Paraguai, e também o Brasil – onde os governos e os militares tinham laços com a Alemanha nazista. Gustav Wagner, responsável pela morte de 152 mil judeus, viveu em São Paulo, onde cometeu suicídio após ser identificado, em 1978. Klaus Barbie, o “Carniceiro de Lyon”, passou 38 anos na Bolívia, até ser extraditado para a França, em 1980. Walther Rauff, que ajudou a desenvolver as câmaras de gás portáteis, jamais foi extraditado pelo Chile. Adolf Eichmann, o arquiteto da “solução final”, foi sequestrado pelo Mossad, o serviço secreto israelense, em 1960, em Buenos Aires, julgado e enforcado em Tel Aviv. Josef Mengele, médico responsável por experiências em Auschwitz, o “Anjo da Morte”, passou pela Argentina e Paraguai antes de se estabelecer no Brasil, onde teve uma vida tranquila até morrer afogado no litoral de São Paulo.

TOMMASO BUSCETTA

Também chamado de Dom Masino, foi um dos mais importantes chefes da Cosa Nostra, a máfia siciliana, nos anos 60. Após uma operação contra os mafiosos, viveu nos Estados Unidos, México e Brasil, onde foi preso em 1972 e extraditado para a Itália. Cumpriu pena por oito anos, foi libertado e voltou ao Brasil, enriquecendo com o tráfico de drogas. Acabou preso mais uma vez – numa operação espetacular em que foi cercado por mais de 40 policiais – e de novo extraditado, em 1984. Desta vez decidiu colaborar com as autoridades, se tornando o primeiro mafioso a trair a organização e denunciar os ex-companheiros. Em 1993, foi mandado aos Estados Unidos, onde colaborou na identificação da máfia norte-americana. A partir de então viveu escondido e com o rosto modificado por cirurgias plásticas. Morreu de câncer aos 71 anos no ano 2000.