Conheça a origem da palavra genocídio, o advogado judeu polonês que escrevia sobre assassinatos em massa e a importância do termo
Daniela Russowsky Raad* Publicado em 24/11/2024, às 10h00
Após Segunda Guerra Mundial, com o mundo ainda atônito diante das atrocidades cometidas, não se encontravam palavras que fizessem jus aos horrores do holocausto. O fenômeno de destruição sistemática de populações e grupos nacionais, raciais e religiosos inteiros, tanto sob a ótica biológica, mas, também, cultural, trouxe à tona a necessidade de se atribuir um termo não utilizado até então.
Ainda que fossem conhecidos assassinatos em massa em períodos anteriores à Segunda Guerra Mundial, tais como o sofrido pelos Armênios ou as Cruzadas, a ideação, organização e execução do holocausto levou os crimes contra a humanidade para um patamar diferente. Em 1941, Winston Churchill, primeiro-ministro britânico, declarou que o mundo presenciava “um crime sem nome”, algo sem palavras para descrever.
A necessidade de se ter uma definição para o ocorrido vinha com a demanda de movimentar a comunidade internacional para prevenir o assassinato e a destruição de milhões de pessoas e povos.
Assim, Raphael Lemkin, um advogado judeu polonês que escrevia sobre assassinatos em massa e a necessidade de leis internacionais que os punissem desde 1933, trouxe à tona, em 1944, a denominação genocídio.
“Geno”, vem do grego, e significa “raça” ou “tribo”, enquanto “cídio”, vem do latim, que significa “matar”. Segundo Lemkin, o termo define um plano coordenado de destruição de um grupo nacional, racial ou religioso, na intenção de exterminá-lo, como o realizado pela Alemanha nazista.
Em 1945, durante o julgamento de líderes nazistas no Tribunal Militar Internacional de Nuremberg, o termo genocídio foi utilizado para descrever as atrocidades sofridas pelos judeus sob o seu domínio, mas as condenações não foram nele fundadas, considerando que não era, até então, classificado oficialmente como crime.
Na ocasião, os crimes elencados eram de conspiração contra a paz, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e condução de uma guerra agressiva. Os atos cometidos no holocausto estavam enquadrados nos crimes contra a humanidade.
A mera existência do termo não era o suficiente. Conforme dissertava Lemkin, há uma diferença fundamental entre o homicídio, que fere o direito nacional de existência de um indivíduo, com o genocídio. O reconhecimento deste último como crime, determina, por consequência, o direito natural que os grupos nacionais, raciais ou religiosos, têm de existir. E esse é um ponto crucial para a compreensão do genocídio como um crime específico.
Não se trata de um crime nacional, pois, não será investigado ou punido, tendo em vista que a tendência é que seja cometido por um estado contra a sua população, ou por um grupo no domínio do poder, em algum país. Genocídio é um crime que afeta a comunidade internacional, sob pena de se tornar inócuo - portanto, merecedor da atenção mundial.
Nessa mesma linha, no cenário internacional, as nações compreenderam a necessidade de fortalecer a organização das relações entre si, estabelecendo uma “ordem mundial” pela prevalência da paz e da segurança internacional. É, com base nesses princípios, que a Organização das Nações Unidas (ONU) foi fundada em 1945, com 53 estados-membros – hoje, são 193.
Em 1946, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Resolução n.º 96 (I), na qual reconheceu o genocídio como crime, e deu origem à Convenção de Prevenção e Punição de Crimes de Genocídio, de 1948. Genocídio passou a ser a negação do direito de existência de um grupo de pessoas, tal qual o homicídio é a negação do direito de existência de um indivíduo. Esse crime, por sua vez, é prejudicial para toda a humanidade, ferindo os princípios e valores universais básicos, e, portanto, um crime cujo julgamento é de responsabilidade internacional.
Genocídio, com base na lei internacional, consiste na prática qualquer dos seguintes atos cometidos com a intenção de destruir, totalmente ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso: i) matar seus membros; ii) causar sérios danos físicos ou mentais aos seus membros; iii) infligir, deliberada e calculadamente, condições de vida que provoquem a destruição do grupo inteiro ou em parte; iv) impor medidas que impeçam a natalidade desse grupo; e v) impor a transferência forçada de crianças do grupo, para outro.
É possível notar a existência tanto de elementos físicos, como psicológicos, na sua definição. Da mesma forma, o elemento da intencionalidade é crucial para a caracterização do crime, sendo um dos pontos mais delicados de determinação, sob a ótica probatória.
Até hoje, a Convenção de Prevenção e Punição de Crimes de Genocídio utilizada como base para a prevenção e punição de crimes de genocídio ao redor do mundo. A importância da criação do termo é inquestionável, bem como as nuances que permeiam o conceito da palavra, que carrega consigo a tarefa de descrever as maiores atrocidades já vistas pela humanidade.
O holocausto foi o gatilho final para o surgimento do termo genocídio, deixando claro que este não é um problema apenas dos judeus, ou dos que são vitimados, mas de todos que levantam a bandeira dos direitos humanos, tendo como base o respeito à (co)existência, à liberdade e à dignidade da pessoa humana.
Discurso do Primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, transmitido em 24 de agosto de 1941.
LEMKIN, Raphael. Genocide.
ONU. Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco, EUA, em 26 de junho de 1945.
ONU, Assembleia Geral. Resolução n.º 96 (I). O Crime de Genocídio.
ONU, Assembleia Geral. Convention on the Prevention and Punishment of the Crime of Genocide. 9 de dezembro de 1948.
* Daniela Russowsky Raad é advogada, Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Mestranda em Educação pela Universidade Hebraica de Jerusalém, mediadora de conflitos capacitada pela Pepperdine University, Vice-presidente da Federação Israelita do Rio Grande do Sul e professora da Stand With Us Brasil.
O texto foi proporcionado pela StandWithUs Brasil, instituição que trabalha para lembrar e conscientizar sobre o antissemitismo e o Holocausto, de maneira a usar suas lições para gerar reflexões sobre questões atuais.
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