Uma das maiores atrocidades da História foram essas embarcações que — em condições deploráveis e violentas— levavam negros capturados em África para uma vida de escravidão
André Nogueira Publicado em 06/06/2020, às 08h00
Palavras como "desumano" ou "infernal" não fazem justiça ao horror puro, cru e abjeto de um navio negreiro. É difícil encontrar algo comparável na História quando humanos tiveram de passar por um sofrimento comparável, talvez os campos de morte nazistas, com a diferença fundamental que os navios negreiros queriam suas vítimas — na medida do possível vivas.
Medida essa bem pequena, quando a altíssima margem de lucro mais que compensava pelas perdas no caminho — que eram, aliás, asseguradas por bancos, cobrindo qualquer prejuízo em caso de "acidentes". Muitos navegadores, inclusive, permitiram a morte de negros em benefício dos seguros.
Países, como o Brasil, dependiam dos escravos. Muito papel foi gasto para justificar a instituição da escravidão, inclusive entre autoridades máximas da Igreja Católica. Mesmo na época, o negócio era universalmente considerado desprezível. Marinheiros de outras embarcações tinham horror aos navios negreiros. Seja por decência humana ou por pura repulsa física.
Era afirmado ser possível reconhecer um navio negreiro pelo cheiro de suor, excremento e principalmente morte. Os próprios marinheiros evitavam descer aos conveses de "carga". Outra razão para a recusa de trabalhar num navio desses era a alta periculosidade do negócio: uma tripulação de 30 pessoas tinha que lidar com a possibilidade de motim por centenas de cativos.
Outro risco surgiu em 1807, quando os ingleses aboliram o tráfico em suas possessões e progressivamente passaram a perseguir toda e qualquer embarcação que levava escravos no Atlântico. O Brasil cedeu às pressões britânicas e aboliu o tráfico em 1850.
A Lei Eusébio de Queirós, que sancionou a proibição, deu origem ao termo "para inglês ver". Sem fiscalização, o tráfico continuaria até a abolição final, em 1888, o que transformou o Brasil, na prática, num Estado-pirata.
O nível de insalubridade de um navio negreiro pode ser ilustrado num exercício feito por Laurentino Gomes, escritor e entusiasta de História, ao relatar que as rotas de tráfico no Atlântico modificou a rotina dos tubarões no oceano.
Isso porque a região onde as embarcações passavam costumavam ter uma série de corpos de escravizados mortos boiando, que viravam alimento para animais. As mortes nos navios eram tantas, que se tornou hábito. Segundo Laurentino na obra Escravidão: Tomo I, pelo menos 1,8 milhão de negros — cerca de 10% — morreram no mar durante a Era do Tráfico.
Uma das consequências mais famosas dessas condições aos negros era o banzo, uma espécie de depressão desenvolvida pelos cativos pelo cenário de desesperança, abusos e cárcere. O sentimento gerava melancolia e vontades suicidas, além do claro desgosto pela vida e lágrimas. Renato Pinto Venâncio, da Universidade de Ouro Preto, afirma que o suicídio entre escravos era até três vezes mais frequente do que entre homens livres.
Os navios negreiros foram marcados pelas condições deploráveis de existência e pela rotina de prisão. Geralmente acorrentados, os negros eram impedidos de fazer suas práticas culturais e religiosas, e tinham horários regrados de exercícios e para tomar sol. Fome, sede e doenças eram padrão.
Os responsáveis pelo navio, em geral, pouco se importavam com as condições dos cativos, salvo exceções preocupadas com a mercadoria. Os negros dormiam no mesmo local em que faziam suas necessidades.
Muitos mortos eram renegados a apodrecerem nos porões — não era hábito que marujos entrassem no local de encarceramento. A alimentação era fraca, sendo simplesmente lançada ao porão para que os escravos se digladiassem por pedaços. Isso exigiu uma série de organizações entre eles, o que era dificultado pela mistura de etnias proposital, incluindo grupos originalmente inimigos.
O tema do tráfico e, portanto, dos abusos e crimes cometidos pelos vendedores de escravos, ligados ao governo português colonial, foi retratado no famoso poema Navio Negreiro, do brasileiro Castro Alves.
Sua lírica e seu enfático teor descritivo denunciaram os horrores cometidos pelo regime escravista na Colônia e no Império, que jamais foi reparado pelas autoridades brasileiras.
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