Lançado em 2012, o filme protagonizado por Barbara Sukowa narra um dos períodos mais emblemáticos da vida da filósofa judia
Alexandre Carvalho Publicado em 20/06/2021, às 08h00
"Existe a necessidade de estabelecer uma divisão entre os líderes responsáveis e as pessoas que, como eu, foram forçadas a servir como instrumentos nas mãos desses líderes.” A fala é de um homem se defendendo de uma acusação. Mas seria um exercício extremo de empatia aceitar esses argumentos.
Porque a fala é de Adolf Eichmann, oficial da Alemanha nazista que entrou para a História como o administrador da “solução final” judaica. Era ele quem organizava a logística das deportações em massa para campos de extermínio.
Se o Holocausto teve um gerente, essa pessoa foi Eichmann. Em 1950, o nazista passou a viver escondido na Argentina, até que, dez anos depois, a Mossad — o serviço secreto de Israel — o levou para ser julgado em Jerusalém. Foi aí que Eichmann encontrou a compreensão de alguém improvável: a judia alemã Hannah Arendt (interpretada no filme por Barbara Sukowa), filósofa autora de 'Origens do Totalitarismo'.
O filme 'Hannah Arendt - Ideias Que Chocaram o Mundo', de 2012, faz justamente esse recorte da vida da intelectual: a época em que Hannah se ofereceu para escrever artigos sobre o julgamento de Eichmann para a revista The New Yorker.
Na época, suas conclusões polêmicas e as consequências dos seus escritos — principalmente para a vida pessoal de Arendt, que acabou isolada até pelos amigos. Foi uma surpresa geral que a filósofa tivesse retratado o nazista não como a encarnação da maldade que brilhava nos olhos de seu Führer.
Hannah Arendt descreveu Eichmann como um mero burocrata, preocupado em subir na carreira e inconsciente da dimensão psicopata de seus atos. Do livro que ela publicou em 1963, baseado nos artigos, nasceria a expressão “banalidade do mal”.
Na obra, ela defende que o mal não é uma força metafísica, maior que a vida cotidiana, e sim que existe por questões políticas e históricas: manifesta-se onde há espaço institucional para isso — como em governos que promovem perseguições a minorias.
Uma visão que permite reflexões até no Brasil contemporâneo, mas que estava errada em seu ponto de partida: Eichmann não era mesmo flor que se cheire. No fim da guerra, declarou que iria para o túmulo dando risada, satisfeitíssimo com os 5 milhões de judeus que perderam a vida por intermédio de suas ações. O tribunal de Jerusalém não compartilhou da visão piedosa de Hannah Arendt: considerou o nazista culpado por crimes contra a humanidade. E Adolf Eichmann foi condenado à morte na forca.
Alexandre Carvalho é jornalista e criou, em 2005, a revista de cinema Paisà. É autor dos livros “Inveja – como ela mudou a história do mundo” (2015) e “Freud – para entender de uma vez” (2017).
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