Espetáculo Saci Pererê - Alexandre Fávero/SESCSP, via Flickr
Brasil

Gostosuras ou travessuras: A integração do dia das bruxas no folclore brasileiro

A celebração estrangeira chega a ser substituída pelo Dia do Saci Pererê em alguns municípios brasileiros para manter a identidade nacional

M. R. Terci Publicado em 31/10/2021, às 11h00

Divergências de atitude entre extremos ideológicos não é nem nunca foi novidade alguma para o brasileiro. Não se trata de modismo. A tendência de muros ideológicos é permanente porque para nós, os isolados, a parede que nos divide tem fundações sólidas e indestrutíveis. Poucos são aqueles que espiam acima do muro senão com o intuito de criticar o que sucede do outro lado.

Assim, apartados de posições antagônicas às nossas, alimentados por conteúdos que reforçam nossas crenças, somos instigados à contenda. Logo, em um cenário que estimula o sectarismo, partimos para caça às bruxas.

A propósito, nesse mês de outubro, enquanto parte da população brasileira está se preparando para vestir roupas horripilantes, dentaduras de vampiro e chapéus de bruxa, a outra parte se declara contrária a isso, pois se ressente da ausência de nossas tradições do povo e do folclore brasileiro.

Não é que a danada da polarização alcançou o território selvagem da festividade? Venham comigo, pelos caminhos mais escuros da história, constatar que no final, toda cor de camisa abriga um peito nu.

Intolerância é lenha para qualquer clima e arde bem em todas as fogueiras.

No Brasil o Halloween ou Dia das Bruxas nunca teve um significado muito expressivo, tampouco circula na lista de feriados tradicionais como acontece nos Estados Unidos, onde a data é a segunda mais celebrada, ficando atrás apenas do Natal.

A festividade celebrada nos Estados Unidos e em diversos países do mundo tem sua origem creditada a um antigo festival pagão, o festival celta de Samhain, termo que designava o fim do verão na Europa Ocidental. Sua celebração durava três dias e começava no dia 31 de outubro, sendo uma homenagem ao Rei dos Mortos.

Crédito: Reprodução

 

O Halloween, assim, não nasceu nos Estados Unidos, mas foi introduzido na cultura norte-americana a partir de 1845, quando mais de um milhão de pessoas que fugiam da Grande Fome foram forçadas a imigrar para o continente, levando consigo suas histórias e tradições.

Há, entre seus detratores brasileiros, quem entenda que a tradição foi trazida pelo Imperialismo Americano como desculpa para vender suas tralhas. Coisa de gringo para fomentar o comércio.

Tal é a resistência que muitos municípios brasileiros decretaram a data de 31 de outubro como Dia do Saci Pererê, de maneira a coibir a celebração do Halloween no âmbito regional.

Essa não foi a primeira vez que uma autoridade tentou desinstitucionalizar o Halloween através de normatização. Em meados do século VIII, o Papa Gregório 3º mudou a data do Dia de Todos os Santos de 13 de maio para 1º de novembro, tornando obrigatório a celebração da data católica, numa obvia tentativa de cristanizar o Samhain.

Mudou foi o nome

O nome da atual, Halloween, nasceu no Reino Unido e derivou de All Hallows’ Eve, onde hallow é um termo antigo para designar santo e eve é o mesmo que véspera.

Certo é que o Dia das Bruxas, como tantas outras celebrações da cultura norte-americana, possuí forte apelo comercial e tem de fato atraído maior número de jovens, crianças e adultos a cada ano que passa. Estabelecer o Dia do Saci é, portanto, uma forma de se oferecer ao povo a alternativa de festejar manifestações de sua própria cultura.

Não obstante, em meio ao discurso da alternativa, logo se nota o broto da intolerância espalhando rama pelo muro. Não contentes em simplesmente não participar, algumas pessoas sentem a necessidade de atacar aquilo que se encontra fora do âmbito de suas crenças.

No Rio de Janeiro, nos anos anteriores, foram espalhadas faixas em oposição à celebração do Halloween, pedindo a retomada das tradições brasileiras. Como sói acontecer, a prática enveredou para o fanatismo e rapidamente tomou forma a intolerância religiosa quando algumas faixas traziam os dizeres: “Halloween é satanismo. Brasil, país cristão.”

Há ainda aqueles que apoiam e incentivam a festividade do Dia das Bruxas, mas opinam por fantasias que caracterizam os seres sobrenaturais do folclore brasileiro, como o próprio Saci, o Caipora, o Curupira, entre outras criaturas míticas que aprontavam travessuras para as pessoas que cruzassem seu caminho e não lhes ofertassem bebida ou fumo.


M.R. Terci é escritor e roteirista; criador de “Imperiais de Gran Abuelo” (2018), romance finalista no Prêmio Cubo de Ouro, que tem como cenário a Guerra Paraguai, e “Bairro da Cripta” (2019), ambientado na Belle Époque brasileira, ambos publicados pela Editora Pandorga.

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