Realizado por um professor em 1967, experimento mostrou que alunos seriam capazes de transição para o pensamento e comportamento fascistas sem ao menos se deram conta disso
Fabio Previdelli Publicado em 04/06/2020, às 17h30 - Atualizado em 23/02/2023, às 20h42
Seria possível um regime nazista ser implantado hoje, no Brasil ou em qualquer outro país democrático? Afinal, mesmo com toda informação que temos disponível, será que pessoas comuns seriam influenciadas a adotarem uma ideologia ditatorial? Quais fatores influenciariam isso?
Provavelmente, essas foram algumas das perguntas que o professor Ron Jones tentou responder aos seus alunos do 10º período de estudos sociais de uma escola de Palo Alto, na Califórnia. Tudo começou com o início do ano letivo de 1967, quando muitos estudantes não conseguiam entender o fato de que alemães comuns haviam sido coagidos a serem cúmplices de um regime como o nazismo.
Assim, o docente, que tinha 25 anos na época e era considerado um professor carismático e bem quisto pelos alunos, decidiu que a melhor maneira de ensiná-los seria colocando esse pensamento em prática, e submetê-los a uma espécie de experimento social educacional.
"Vamos fazer um experimento, um experimento não ameaçador", disse Jones a seus alunos. A partir daquele momento, ele começou a agir com mais severidade que o habitual e implementou um novo conjunto de regras, dos quais esperava que fossem cumpridos na sala de aula.
Apesar de, num primeiro momento, isso ser novo e, até certo ponto, chocante, a confiança e o respeito que Ron exercia sobre os demais fez com suas solicitações fossem seguidas. A novidade, antes estranha, passou a ser vista como um desvio da monotonia do ensino médio e se tornou até que divertido — pelo menos a princípio.
Jones disse que pensou que o experimento duraria apenas um dia, mas quando chegou no dia seguinte, seus alunos já estavam o esperando de pé ao lado de suas respectivas mesas — eles só eram permitidos sentarem após a liberação do professor.
Bom dia Sr. Jones”, soou o coro uníssono quando ele chegou na sala.
“Oh meu Deus”, se surpreendeu, mas decidiu seguir com o experimento. “Nos primeiros dias, a Terceira Onda [como se autodenominaram] foi um jogo. Tínhamos muitas regras, tínhamos que fazer muitas coisas”, revelou um de seus alunos.
Além disso, eles também passaram a se saudar com um gesto típico, mas muito similar ao levantamento de mão nazista. Os alunos também tinham que levantar toda vez que quisessem fazer perguntas e cada questionamento tinha que ser o mais direto possível, sem enrolações.
Trabalhando em um projeto nebuloso para “eliminar a democracia”, o grupo criou seu próprio logotipo e fez faixas com ideologias próprias que diziam: “Força através do envolvimento” e “Força através da disciplina”.
De acordo com o grupo, se eles participassem do experimento até o final, receberiam um “A”; se tentassem derrubar o professor, ganhariam um “F”; e se recusassem a participar, seriam banidos da biblioteca.
Talvez, o que mais chamou a atenção dos jovens foi o fato de Ron dizer que as regras implementadas pela Terceira Onda eram abrangentes: tendo que serem aplicadas não só nas aulas e na escola, como fora do colégio e em ambiente familiar.
Se você visse um colega e não o cumprimentasse conforme a saudação do grupo, poderia ser denunciado e julgado. Uma condenação por quebras as regras poderia significar a expulsão do grupo.
Para mim, como professor, era muito gratificante ver a maior parte dos alunos se envolvendo, tomando as rédeas. Eles saíam para entregar panfletos, agregar nomes. E aí isso explodiu", revelou Jones em entrevista à Folha, em 2009.
O docente revela que, em menos de uma semana, o número de alunos presentes na sala dobrou — de 25 para 50. O mais impressionante é que esse número era muito mais assombroso fora da aula, onde chegava a reunir mais de 300 membros que, segundo Jones, estavam prontos para silenciarem vozes dissidentes, à força.
Apesar do aparente sucesso em sua metodologia, Jones começou a sentir que seu projeto estava perdendo o controle e decidiu que tudo deveria terminar. "Uma criança perdeu a mão construindo explosivos. Era uma criança perdida, perigosa", revelou.
Para isso, anunciou aos estudantes que a Terceira Onda fazia parte de um movimento nacional e pediu que participassem de uma manifestação na tarde seguinte, na qual um candidato à presidência seria eleito.
Quando os alunos chegaram ao auditório, no horário estipulado, Jones revelou aos estudantes que eles haviam participado de um experimento sobre como surge um regime fascista e terminou a reunião exibindo um filme sobre o nazismo.
Os alunos descrevem alívio quando o experimento terminou. Alguns ficaram horrorizados por realizarem tão bem uma transição para o pensamento e comportamento fascistas sem ao menos se deram conta disso.
Dois anos depois, o americano foi demitido e proibido de lecionar em escolas públicas no país. Nos anos seguintes, no entanto, continuou com a função, desta vez ensinando poesia a pessoas com deficiência intelectual, além de escrever e ministrar palestras.
Questionado sobre a experiência, ele é certeiro: "Nunca faria isso de novo. Coloquei os alunos em perigo. Esse tipo de experimento é útil para mostrar quão facilmente nos tornamos vítimas desse tipo de coisa".
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