“Não sou política. Não preciso do poder”, disse em um de seus discursos que reuniu mais de 63 mil pessoas em 2020
Fabio Previdelli Publicado em 11/02/2021, às 10h00
Por problemas culturais, estruturais ou até mesmo pelo machismo presente na sociedade, o fato é que, ainda hoje, as mulheres ainda seguem sem uma voz ativa na política — não por culpa delas, que fique claro.
Apesar de os tempos atuais já promoverem uma maior inclusão, como o caso de Kamala Harris, vice-presidente dos Estados Unidos — a primeira mulher na história a ocupar tal cargo —, isso ainda está longe de um denominador comum.
Se as coisas já são complicadas assim para uma sociedade democrática, o que dirá de um país onde a ditadura reina e o presidente é conhecido por suas falas opressoras?
Você pode até se identificar com algum personagem da história, mas estamos falando de um caso contemporâneo, mais precisamente sobre a situação vivida na Bielorrússia.
Antiga república da União Soviética, o país completará três décadas de independência este ano, sendo que há quase 27 anos a nação é governada pelo mesmo homem: Alexander Lukashenko.
Porém, nas últimas eleições realizadas no país durante o ano passado, uma mulher se jogou com a cara e a coragem para combater o ditador. É Svetlana Tikhanovskaya.
A opositora
Quem conhecia Svetlana Tikhanovskaya antes da vida política, jamais imaginaria que ela teria tanta influência no país. Pedagoga, se aperfeiçoou na língua inglesa, assim, começou a lecionar o idioma em escolas da Bielorrússia.
Porém, anos depois, ela, seu marido e seus filhos tiveram que se mudar para Minsk. A capital era o único lugar capaz de gerir os cuidados necessários para uma de suas crias, que tem deficiência auditiva e teve que ser submetida a uma operação de implante coclear, além de passar por tratamento.
Assim, ela e seu esposo, o blogueiro Sergei Tikhanovsky, decidiram que o melhor a ser feito era que Svetlana ficasse em casa para dar todo o suporte a criança. Ponto que contribuiu para isso é que Sergei era dos candidatos de oposição à Lukashenko.
Apesar da esperança que carregava, sua candidatura sucumbiu muito antes de iniciar sua campanha eleitoral, já que ele acabou sendo preso depois de ser acusado de participar de protestos não autorizados no início do ano passado.
Foi então que, “por amor”, como a própria Svetlana diz, ela decidiu assumir o lugar do marido e candidatou-se. Porém, jamais imaginou que conseguiria o apoio que teve.
Em primeiro momento, ela não parecia ser uma fonte de dor de cabeça para Alexander, que chegou a desdenhar de sua oponente a chamando de “pobre garotinha”, como afirma matéria publicada no El País.
Entretanto, conforme sua campanha se consolidava, a ex-professora, de 37 anos, passou a ter um enorme apoio popular. Para se ter uma ideia de sua força, em um de seus comícios na capital da Bielorrússia, ela reuniu mais de 63 mil pessoas.
Foi então que a oposição descobriu o tamanho de sua força, isso fez com que os outros dois candidatos que concorriam com ela — tirando o ditador do país —, desistissem de suas candidaturas e passassem a apoiá-la.
As represálias
Quanto mais se tornava uma ameaça para Alexander, mais Svetlana se sentia em risco. Não só ela, mas como os membros de sua família também. Assim, decidiu enviar seus filhos para um local seguro. Fora do país.
Simplista, sua campanha ansiava pela independência do país; pela libertação dos presos políticos, o que inclui seu marido; e pela realização de novas eleições em seis meses. Afinal, seguir na política não estava nos planos da professora.
“Não sou política. Não preciso do poder. Gosto de meus filhos, do meu marido e quero voltar pra casa e fritar minhas costeletas”, disse em um de seus eventos de campanha.
Mesmo reunindo um clamor popular, entretanto, ela não estava certa da vitória na disputa eleitoral, afinal, não é de hoje que o governo bielorrusso é acusado de adulteração nos votos.
Não deu outra, mesmo com todo o apoio que recebeu, o resultado das urnas se mostrou frustrante: Lukashenko recebeu 80.08% dos votos, o que marcou sua ida a seu sexto mandato.
Mas ela se mostrou cética em relação a isso. “Vou acreditar nos meus próprios olhos — a maioria era para nós”, declarou em uma coletiva. “Votaram em mim para salvar o país, eles me veem como o símbolo das mudanças”.
“O povo bielorrusso nunca mais será o mesmo. A chama não se apagará, as pessoas despertaram e não se poderá mais viver com um Governo que não aceita, os crimes que cometeu não podem ser perdoados”, completou.
Diante disso, a professora se considerou vencedora da eleição e disse que os votos foram adulterados. A fala foi corroborada por seus apoiadores de oposição que, segundo seus assessores, também declararam que queriam que uma recontagem de votos fosse feita.
“Sabemos que fraudaram os resultados das eleições. As pessoas não acreditam nos resultados. Sabem que me elegeram presidenta. Sou a líder nacional de Belarus”, insiste. “Somos a voz da maioria”.
O exílio
Devido à pressão que sofreu, Svetlana acabou deixando a Bielorrússia em agosto passado, refugiando-se na Lituânia, país vizinho, por se sentir ameaçada pelo governo do ditador.
Não era pra menos, em 9 de agosto, um grande protesto ocorreu nas ruas do país, o que fez com que mais de 7.000 pessoas fossem presas, centenas ficassem feridas e quatro fossem mortas.
Apesar de afirmar: “Estou segura aqui [na Lituânia]”, Svetlana não quis comentar sobre todos os motivos que a levaram sair de seu país, mas prometeu que os revelaria no momento certo. “Cada vez mais gente tem a sensação de que podemos mudar tudo. Cada um de nós, o povo, é fonte de poder se nos unirmos”.
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