Durante sua vida, a mulher escreveu muito, levantando questões importantes como a alfabetização feminina na antiga Mesopotâmia
Penélope Coelho Publicado em 28/10/2020, às 07h00
Filha do rei Sargão da Acádia, conhecido como um dos primeiros líderes a fundar um império na civilização mesopotâmica, a princesa Enheduana — provavelmente nascida em 2300 a.C. —, recebeu esse nome como uma referência para a Lua, como algo que pode ser traduzido para “adorno do céu".
Assim como o satélite natural, a autora iluminou os caminhos por onde passou, deixando como legado mais de 40 obras literárias. Por isso, ela é considerada como a primeira escritora do mundo, já que seus textos verdadeiramente foram atribuídos a ela.
Antes de Enheduanna, outras pessoas já haviam escrito textos. Contudo, seus nomes não apareciam e permaneciam anônimos; já os trabalhos da princesa costumavam ser constantemente assinados, trazendo para ela um diferencial jamais visto.
À frente de seu tempo
Seu pai uniu várias cidades-estados que foram distribuídas no famoso eixo dos rios Tigre e Eufrates, que contribuíram para que as civilizações mesopotâmicas se desenvolvessem na época. Pensando nisso, Enheduana tinha um papel importante.
A mulher foi alta sacerdotisa do deus lunar Nana, também conhecido como Anu ou Innana, no antigo estado de Ur, seu cargo foi exercido durante o reinado de seu irmão Rimush. Além disso, consta que ela também foi a primeira mulher a receber o título de EN, o que representava uma personalidade de grande importância para a política, título que depois foi atribuído a todas as outras filhas do rei.
Contudo, o que verdadeiramente fez com que Enheduana entrasse para a história, foram os seus textos.
Obras marcantes
Sabe-se que na antiguidade as tradições escribas eram funções que costumavam ser atribuídas para homens, entretanto, o legado da poetisa deixa em evidência que a literatura na Mesopotâmia também contou com a presença feminina.
Ao todo, Enheduana tem seu nome atribuído a 42 hinos dedicados a templos que fazem parte de um extenso território da Suméria e Acádia, o que inclui regiões como Eridu, Sipar e Esnuna, obras essas que ficaram conhecidas como Hinos Sumérios do Templo. Além disso, a autora também escreveu hinos dedicados à deusa Inanna.
37 placas de argila encontradas nas regiçoes de Ur e Nippur foram reconstituídas: elas continham textos de Enheduana. A maioria data dos antigos períodos babilônicos e da terceira dinastia de Ur. Porém, mesmo sendo pioneira, a escritora não desfrutava de tanta liberdade para sua escrita e seguia os padrões da época.
O legado de uma princesa
Mesmo depois de sua morte, a filha do rei não foi esquecida por seu povo e ficou marcada como uma figura de importância para região. Acredita-se que até mesmo chegou a ser representada com caráter semi-divino.
A prática da escrita realizada pela princesa trouxe à tona a questão da alfabetização de mulheres na antiga Mesopotâmia. Apesar de ter ficado marcada, Enheduana, não foi a única. Historiadores revelam que muitas esposas de reis também escreviam poesias. Além disso, era comum a adoração a uma deusa escriba chamada Nidaba.
Atualmente, boa parte dos trabalhos, textos e poemas feitos por Enheduana se encontram disponíveis para a leitura na língua inglesa, através da plataforma Electronic Text Corpus of Sumerian Literature.
Nesse site, os textos antigos foram traduzidos por Samuel Noah Kramer, um especialista em povos sumérios. Além disso, sabe-se que a poetisa Diane Wolkstein, também destaca a história da princesa em seu livro intitulado Inana, Rainha dos Céus e da Terra: suas histórias e hinos da Suméria (1983).
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