Nascido e criado na Cidade Maravilhosa, o romancista acompanhou todas as evoluções das ruas onde criou suas memórias
Daniel Piza Publicado em 01/09/2008, às 00h00 - Atualizado em 13/06/2021, às 08h00
"Era uma edificação sólida e vasta, gosto severo, nua de adornos. Eu, desde criança, conhecia-lhe a parte exterior, a grande varanda da frente, os dois portões enormes", narrou Machado de Assis, em seu folhetim 'Casa Velha', publicado de 1885 a 1886.
Descrita pelo romancista na revista carioca 'A Estação', a chamada Casa Velha era a principal estrutura da chácara da família de Dona Maria José de Mendonça Barrozo Pereira, no Rio de Janeiro, onde Machado morou com seus pais quando era pequeno.
Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) jamais deixou o estado onde nasceu. Como tinha muitas doenças, não podia viajar de navio, embora sonhasse conhecer a Itália. Nunca foi além de Nova Friburgo, na região serrana carioca, onde tratou a saúde em duas ocasiões. Sua vida, portanto, foi profundamente associada ao Rio de Janeiro, cujas transformações acompanhou de perto.
Machado conviveu com todas as classes sociais. Neto de escravo alforriado, ascendeu gradualmente nas duas carreiras que teve, as de funcionário público e homem de letras. Teve altos cargos nos ministérios da Agricultura e dos Transportes e, aos 40 anos, já era reconhecido como o maior ficcionista brasileiro.
O Rio de Janeiro de sua infância era o do Morro do Livramento e da região próxima ao cais, uma grande vila de ruas estreitas onde os dejetos das casas eram levados por negros em tinas na cabeça e lançados ao mar. Lampiões de azeite de peixe faziam a iluminação e cavalos e burros garantiam o transporte. Machado viu sua cidade ganhar bonde, ferrovia, iluminação elétrica, avenidas, telégrafo e bolsa de valores. Antes de morrer, ainda acompanhou o surgimento dos carros e dos precursores do cinema.
A essência do Rio de Janeiro machadiano era o que hoje nós chamamos de “centro histórico”, principalmente as ruas do Ouvidor, Direita e da Quitanda, a parte mais nobre, onde ficavam os cafés, as lojas, os teatros e as livrarias.
Também os bairros da Glória e do Flamengo eram importantes, com seus hotéis, jardins e mansões. Quando se mudou para as Laranjeiras, na rua Cosme Velho, em 1884, Machado tinha 45 anos e queria distância das agitações urbanas. Nem por isso deixou de interpretar sua cidade como ninguém.
Para se isolar do agito da cidade, Machado visitava a biblioteca do lugar. Ali, lia o britânico Laurence Sterne (1713-1768), o italiano Giacomo Leopardi (1789-1837), o alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) e o francês Denis Diderot (1713-1784).
Antigo Rocio e atual praça Tiradentes, é o local onde foi construída uma estátua de dom Pedro I (1798-1834). Machado esteve entre os críticos da obra, que se queixavam da homenagem a um rei que havia abdicado do trono.
Foi neste chalé, número 18, que o escritor viveu os últimos 24 anos de vida, 20 deles ao lado da esposa Carolina (1835-1904). Ele passava muito tempo em casa nos anos finais. Por isso, ganhou a alcunha de “Bruxo do Cosme Velho”.
Endereço do joalheiro Farani, do alfaiate Raunier e da florista madame Rosenvald, era o ponto de encontro da aristocracia. Machado a descreveu como “via dolorosa dos maridos pobres”, por causa das tentações de consumo feminino.
Quando jovem, Machado viveu intensamente o Rio. Neste endereço, ele e os amigos faziam banquetes no Hotel Europa. Não raro, participavam atrizes portuguesas e cantoras francesas, pelas quais o escritor chegou a se apaixonar.
Sede do Clube Fluminense (que não é o time de futebol), era onde caminhavam Machado e José de Alencar (1829-1877). Foi ali que Machado apresentou uma cantata em louvor a dom Pedro II. Mais tarde, ele se tornaria crítico do imperador.
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