O filme da Netflix conta a história de uma menina de 11 anos que afirma não precisar comer
Ingredi Brunato, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 19/11/2022, às 14h00 - Atualizado em 22/11/2022, às 18h14
Lançado pela Netflix no início deste mês de novembro, o drama psicológico "O Milagre" ("The Wonder", em seu título original em inglês), que conta com a presença da renomada Florence Pugh, está fazendo sucesso devido ao seu enredo surpreendente e sombrio. Nesta terça-feira, 22, por exemplo, o filme ocupa o segundo lugar no top 10 dos filmes mais vistos na Netflix Brasil.
O filme de época, que se passa na Irlanda do século 19, é baseado em um bem-sucedido romance homônimo publicado por Emma Donoghue em 2016. Nele, assim como no longa, conhecemos a história de Anna O'Donelle, uma garota de apenas 11 anos que afirma não precisar comer.
Segundo a menina, ela sobrevive apenas de "maná do céu" — um alimentado citado na Bíblia. Já a enfermeira Lib Wright, que é interpretada por Pugh, é chamada para investigar a veracidade desse jejum prolongado, que supostamente já duraria meses, e levou O'Donelle a ser vista como um milagre pelos moradores de seu vilarejo.
Embora a autora Donoghue não tenha baseado seu livro em um caso em particular, ela se inspirou em um fenômeno real ocorrido na Era Vitoriana, que é das chamadas "garotas jejuadoras".
Essas jovens alegariam não precisar comer ou beber para sobreviver, com essa habilidade sobre-humana sendo frequentemente conectada à religião, como ocorre em "O Milagre". Hoje, vale mencionar, o fenômeno é visto por alguns historiadores como uma onda de quadros de anorexia.
As garotas jejuadoras se tornaram verdadeiras celebridades através da Europa entre o fim dos anos 1800 e o início dos 1900. Vistas como anomalias médicas ou então escolhidas de Deus, elas logo foram alvo de investigações que buscavam apurar se suas alegações eram legítimas, ou apenas uma fraude.
Falando sobre a fictícia Lib Wright, Donogue revelou uma de suas reflexões a respeito do papel único desempenhado por profissionais de saúde durante estes eventos em entrevista de 2016 ao NPR:
Eu sabia que essa enfermeira estaria na posição peculiar de ser contratada como uma espécie de carcereira. E esta parte do romance foi inspirada em vários casos reais em que uma equipe de vigias foi contratada para garantir que o jejuador não estivesse comendo. Eu pensei que isso colocava uma enfermeira treinada em uma posição muito peculiar onde ela realmente não estava cuidando. Ela estava guardando", afirmou a escritora na ocasião.
Infelizmente, foi justamente durante essas apurações que as trajetórias de algumas das jejuadoras vitorianas terminaram em tragédia. É o caso, por exemplo, de Sarah Jacob, que morreu de fome em 1869, aos 20 anos, conforme repercutido pelo portal Collider.
Moradora de Carmarthenshire, um condado do País de Gales, Jacob ascendeu ao estrelato dentro da comunidade religiosa da época após seus pais anunciarem que ela havia passado dois anos sem consumir nenhum alimento ou bebida.
A jovem teria sofrido uma série de convulsões em 1867, ao que passara um mês inteiro inconsciente devido a uma doença misteriosa que não pôde ser diagnosticada pelo médico local.
O jejum que a levou à fama, por sua vez, se iniciou após a jovem acordar. A princípio, ela teria bebido apenas um pouco de leite, mas, com o passar dos meses, teria parado completamente de se alimentar.
Ela passou os meses seguintes confinada à sua cama, e, com a popularização de sua história, recebia a visita de inúmeros devotos, que vinham segurar suas mãos, e costumavam deixar dinheiro para a família de Jacob na saída, tornando a situação financeiramente vantajosa para eles.
O período de bonança, todavia, não durou muito: logo médicos foram chamados à região para investigar se Sarah era realmente um caso milagroso, ou uma fraude.
Algumas das teorias da época eram, por exemplo, de que a moça comia durante a noite, enquanto sua família dormia, ou até mesmo que contava com a ajuda da irmã, que lhe traria alimentos às escondidas.
Uma das investigações, que contou com a aprovação dos pais da jovem, foi liderada pelos profissionais de um hospital britânico. Durante o período, Jacob foi monitorada por sete médicos e quatro enfermeiras dia e noite, para que fosse garantido que seu jejum era legítimo.
A equipe foi orientada a fornecer água ou alimentos à moça caso ela os solicitasse, mas Sarah nunca fez esse pedido. Em vez disso, a garota considerada um milagre por seu suposto jejum de dois anos definhou silenciosamente no decorrer de uma semana, vindo a óbito sob supervisão médica, segundo relatado pelo site da Libraria de Gales.
Sua autópsia revelou marcas em seus pés que teriam sido conectadas a uma tentativa desesperada de abrir a bolsa de água quente deixada com ela, presumivelmente para que bebesse algo.
A morte trágica terminou com os pais da jovem de 20 anos, Evan e Hannah Jacob, considerados culpados de homicídio. Os profissionais de saúde que acompanharam os dias finais de Sarah, todavia, não precisaram enfrentar consequências judiciais.
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