Após serem descobertas no Anexo Secreto e transportadas para Auschwitz, os últimos sete meses das irmãs Frank nos campos estão bem documentados, mas são raramente discutidos
Fabio Previdelli Publicado em 11/07/2020, às 08h00
Em 3 de setembro de 1944, Anne Frank e as outras sete pessoas que viviam escondidas no Anexo Secreto foram transportadas para Auschwitz. Ao lado de mais de mil prisioneiros judeus, aquele seria um dos últimos trens de deportação semanais que levaram mais de 100 mil judeus holandeses paras as chamadas fabricas da morte.
Entretanto, apesar de sua história ser amplamente difundida pela publicação póstuma de seu diário, poucas pessoas sabem o que aconteceu com a jovem garota após sua captura, afinal, a última entrada de seu diário data de 1º de agosto de 1944, três dias antes de sua prisão.
Como consequência, os momentos finais da menina judia que comoveu o mundo ficaram esquecidos durante anos e só foram resgatados graças aos vários testemunhos de sobreviventes do Holocausto que cruzaram o caminho de Anne Frank.
Boa parte desses relatos foram dados ao cineasta Willy Lindwer, que em 1988 produziu um documentário "Os Últimos Sete Meses de Anne Frank" — o material não compilado se tornou mais tarde um livro.
Apesar do frenesi que viviam, a chegada da família Frank em Auschwitz ocorreu com um pedacinho de esperança, já que eles esperavam que a dedicação ao trabalho e uma rápida vitória dos Aliados os ajudariam a sair do campo com vida.
“Anne estava muito calma e quieta e um pouco retraída. O fato de terem terminado ali a afetou profundamente — isso era óbvio”, afirmou a sobrevivente Ronnie Goldstein-van Cleef, que conheceu a família Frank em Westerbork e era próximo de Anne no campo de trabalho de Birkenau. "Anne costumava ficar ao meu lado [na chamada] e Margot sempre estava por perto”.
Depois de várias semanas em Birkenau, as irmãs Frank contraíram os ácaros da pele que causam sarna. Confinadas em um espaço dedicado a pessoas com a doença, as meninas ficaram sem os cuidados da mãe pela primeira vez. "As garotas Frank pareciam terríveis, suas mãos e corpos cobertos de manchas e feridas da sarna", disse Cleef. “Elas estavam de uma maneira muito ruim; lamentável”.
Lenie de Jong-van Naarden era outra judia holandesa que conhecia as mulheres Frank em Auschwitz. Quando as irmãs foram confinadas ao quartel da sarna, ela ajudou Edith Frank a cavar um buraco sob a estrutura para contrabandear pão para as filhas. "No quartel onde [as garotas Frank] estavam, as mulheres enlouqueceram completamente", disse a mulher que, junto com outras testemunhas, observou a incansável devoção de Edith Frank aos filhos.
Já a sobrevivente Bloeme Evers-Emden, que conheceu Anne Frank em 1941, quando as crianças judias foram forçadas a frequentar a mesma escola em Amsterdã, o Liceu Judaico, reecontrou a garota em Auschwitz e relembrou a conversa que tiveram sobre o preço da guerra em suas famílias.
"Quando [Anne] estava escondida, o que era uma situação muito prejudicial, sua mãe era alguém contra quem ela se rebelou", disse Evers-Emden. “Mas no campo, tudo isso caiu completamente. Ao apoiarem-se mutuamente, elas conseguiram se manter vivas — embora ninguém possa combater o tifo”, lamentou.
Enquanto o exército russo avançava para a Polônia em outubro, muitas das 39 mil prisioneiras do campo — entre elas Anne e Margot — foram transportadas para o oeste, para a Alemanha. Tendo sido forçado a ficar para trás, Edith Frank morreu de exaustão e tristeza no início de 1945.
Embora não estivesse equipado com instalações para matar, Bergen-Belsen ficou severamente superlotado e atormentado pelas doenças. Com isso, dezenas de valas comuns foram preenchidas durante o último inverno da guerra, o que incluía, infelizmente, as das irmãs Frank.
"Tifo era a marca registrada de Bergen-Belsen", explica a sobrevivente Rachel van Amerongen-Frankfoorder, que conheceu a família Frank em Westerbork. “[Anne e Margot] tinham aqueles rostos vazios, pele sobre osso. Elas estavam terrivelmente frias. Elas tinham os lugares menos desejáveis no quartel, abaixo, perto da porta, que era constantemente aberta e fechada. Dava para ver as duas morrendo”.
A sobrevivente Janny Brandes-Brilleslijper deu o relato mais detalhado dos últimos dias das irmãs Frank. Durante meses, ela ajudou a "organizar" alimentos e roupas para as meninas, cujos corpos finalmente sucumbiram ao tifo.
"Em um certo momento de seus últimos dias, Anne estava na minha frente, embrulhada em um cobertor", conta. “Ela não tinha mais lágrimas, e me disse que tinha horror aos piolhos e pulgas em suas roupas e que jogara todas elas fora. Era o meio do inverno e ela estava enrolada em um cobertor. Juntei tudo o que pude encontrar para dar a ela o que se vestir novamente”.
Três dias após seu perturbador encontro com Frank, Brandes-Brilleslijper descobriu que as duas irmãs estavam mortas. "Primeiro, Margot caiu da cama no chão de pedra", relembra. “Ela não conseguia mais se levantar. Anne morreu um dia depois. Três dias antes de sua morte por tifo, foi quando ela jogou fora todas as suas roupas durante alucinações terríveis. Isso aconteceu pouco antes da libertação”.
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