O cineasta Glauber Rocha e o pintor Di Cavalcanti - Domínio Público via Wikimedia Commons
Cinema

Há 47 anos, curta de Glauber Rocha sobre a morte de Di Cavalcanti causava polêmica

'Di-Glauber' foi uma homenagem do renomado cineasta brasileiro ao amigo pintor, no entanto, não agradou familiares

Éric Moreira, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 23/10/2023, às 16h49

Na próxima quinta-feira, 26, o país presencia os 47 anos da morte de um dos mais renomados artistas brasileiros que já existiu: o carioca Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque Melo, mais conhecido somente como Di Cavalcanti.

No entanto, um detalhe que nem todos sabem sobre o trágico evento é que chegou até mesmo a virar um curta-metragem, sob as mãos do aclamadíssimo Glauber Rocha, considerado o maior cineasta brasileiro de todos.

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Antes de qualquer coisa, é importante compreender que Glauber Rocha e Di Cavalcanti, enquanto vivos — o cineasta morreu em 1981 —, eram bons amigos. O pintor foi um nome bastante importante na Semana de Arte Moderna de 1922, tendo sido não só participante do movimento, como também um de seus idealizadores.

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Segundo a família de Glauber Rocha, conforme relatado pelo O Globo, em um encontro do cineasta com o pintor em Paris, na década de 1970, os dois fizeram o acordo de que Di seria filmado por Glauber, ao passo que faria uma pintura do amigo. O baiano, ironicamente, teria até mesmo perguntado se o artista queria que isso acontecesse com ele "vivo ou morto".

Então, no dia 26 de outubro de 1976, Di Cavalcanti — na época com 79 anos — faleceu, enquanto estava internado no Hospital da Beneficência Portuguesa, em Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro, enquanto tratava uma crise renal.

Logo que soube da morte do amigo, Glauber Rocha pegou a câmera, se dirigiu ao velório e gravou parte do que faria parte de seu curta-metragem documental.

O cineasta baiano Glauber Rocha / Crédito: Domínio Público via Wikimedia Commons

 

Desrespeito com o pintor?

Após a produção do curta 'Di-Glauber', que possui apenas 18 minutos, o cineasta logo se viu em meio a uma situação delicada com os familiares do amigo. Isso porque Elizabeth Di Cavalcanti, filha adotiva do pintor, considerou aquela homenagem desrespeitosa, ao mostrar o cadáver do pai, e iniciou uma batalha judicial para impedir a veiculação.

"Glauber fez o que bem quis porque eu estava em estado de choque e não consegui impedi-lo", disse Elizabeth em entrevista à Folha em junho de 1999. "Nunca assisti e nunca vou querer vê-lo, pois a imagem que guardo de meu pai é diferente daquela como ele morreu."

Glauber, porém, justificou-se na mesma época dizendo que "filmar meu amigo Di morto é um ato de humor modernista-surrealista que se permite entre artistas renascentes: Fênix/Di nunca morreu. No caso, o filme é uma celebração que liberta o morto de sua hipócrita-trágica condição."

Ainda assim, em 1979, a 7ª Vara Cível concedeu liminar a um mandado de segurança de Elizabeth, o que vetou a proibição do filme. Ainda hoje, o curta-metragem é proibido, mas ele pode ser facilmente acessado na internet — depois que um sobrinho de Glauber disponibilizou-o em 2004.

O pintor Di Cavalcanti / Crédito: Domínio Público via Wikimedia Commons

 

Curta premiado

Apesar da proibição do curta-metragem documental em território nacional, a obra chegou a ser exibida em curto tempo. Sua estreia ocorreu em 11 de março de 1977, na Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, além de exibição em algumas universidades.

Digno de um trabalho de Glauber Rocha, o curta não deixaria de receber prêmios: em 1977, ainda antes de ser proibido, ganhou o Prêmio Especial do Júri do Festival de Cannes.

Assim, a promessa do cineasta ao pintor não só foi cumprida, como ainda levou os dois homens, amigos até o fim, a tornarem-se de mais uma forma célebres e memoráveis artistas do Brasil.

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