Em seus momentos finais, Fidel apareceu pouco. Mas, quando o fez, foi para reafirmar suas crenças políticas
Redação Publicado em 25/11/2019, às 08h00
Líder, presidente, comandante, herói, revolucionário, libertador, tirano, ditador: Fidel Castro foi um homem de muitos adjetivos, dados por fãs e detratores. Até a aposentadoria, em 2008, ele e seu país nunca deixaram o noticiário. Nas décadas de 1960 e 1970, foi pelas incursões militares na África e o apoio às guerrilhas da América do Sul.
Em 1980, com o Êxodo de Mariel — quando Fidel responde a acusações americanas de prender seus cidadãos no próprio país abrindo o porto de Mariel para quem quisesse sair. E, como um presente ao Tio Sam, mandando alguns indesejáveis na rota, prisioneiros comuns e pacientes de instituições mentais.
Na década de 1990, o foco se torna a imensa penúria em Cuba, resultante do fim da União Soviética e a perda de um grande cliente e patrocinador, forçando o país a se abrir ao turismo e aceitar o dólar em sua economia.
O que causaria uma perversa forma de desigualdade social, na qual um taxista, que ganha em dólar, pode receber o equivalente a várias vezes o salário de um reitor de universidade.
Por essa mesma época, o comandante deixou de andar exclusivamente de farda para aparecer de terno. E as polêmicas começaram a esfriar. Cuba continuou a ser um regime autoritário, mas, com o fim da Guerra Fria, ninguém podia mais levar a sério a ideia de que a ilha iria acabar com a democracia no continente americano.
Na década de 2000, Castro ganhou vários amigos próximos nos governos esquerdistas do continente, abraçado literal e figurativamente pelos presidentes Hugo Chávez, da Venezuela; Evo Morales, da Bolívia; o casal Néstor e Cristina Kirchner, da Argentina; e, não é segredo, Lula e Dilma, do Brasil.
Seria esse Castro a sumir dos holofotes em 2006, quando veio a público a notícia de que ele tinha sofrido uma grave hemorragia intestinal que quase o levou já então, não fosse uma cirurgia de emergência realizada no fim de julho.
Afastado provisoriamente do cargo de presidente, ele faria uma participação no programa de rádio do presidente da Venezuela Hugo Chávez, em fevereiro de 2007.
Mas não voltaria mais ao comando de Cuba: em fevereiro de 2008, oficializou a posse do sucessor Raúl Castro, seu irmão. Era o fim de 49 anos no poder, somando as funções de primeiro-ministro de Cuba, entre 1959 e 1976, e presidente até 2008.
Em 2011, deixaria também a função de primeiro secretário do Partido Comunista de Cuba, que ocupava desde 1961. Com a batuta firmemente nas mãos do irmão Raúl, Fidel se tornaria uma figura simbólica, espécie de espírito guardião da alma revolucionária.
E um tanto folclórica, também, trocando o terno que havia substituído a farda por roupas esportivas, com as quais visitava chefes de Estado — remetendo à sua atlética juventude. (A resposta para o mistério dos conjuntinhos “capitalistas”, aliás, é simples: ele simplesmente se apossou de alguns uniformes da seleção olímpica de Cuba, gentilmente cedidos por marcas esportivas europeias.)
Em seus últimos anos, Fidel fez viagens, aparições e declarações esporádicas. Em 2011, condenou a ação da Otan contra Muammar Gaddaffi, um velho aliado, na Líbia. Em 2012, receberia o papa Bento XVI em sua visita a Cuba.
Durante a ida de Obama ao país, em março de 2016, recusou-se a encontrá-lo, quem sabe retornando o favor do presidente Dwight Einswenhower, que não o recebeu em 1959. Afirmou então que “Cuba não precisa de presentes do império”.
Em 20 de abril seguinte, ele faria seu último discurso, diante do congresso do Partido Comunista de Cuba. Anunciando que logo faria 90 anos e que talvez fosse sua última vez naquela sala, ele fez sua despedida. Terminando em: “Prossigamos na marcha para diante e aperfeiçoemos o que devemos aperfeiçoar, com a máxima lealdade e força unida, numa marcha impossível de deter”.
Definitivamente, não é esse um discurso de alguém que revê suas crenças, mas o de quem parece ter a convicção de estar na mesma luta do princípio da carreira. Ao anunciar sua morte, em 25 de novembro de 2016, seu irmão Raúl terminou com um já hoje quase nostálgico “hasta la victoria, siempre!”.
Vitória eles tiveram. A extremamente improvável derrota de um governo de 50 mil soldados por 12 guerrilheiros, por si só, já é impressionante o suficiente.
Ele entraria para a História como um dos maiores generais de todos os tempos. Mas Fidel e seus amigos tiveram quase 60 anos para administrar o país. E, aí, nem tudo é vitória. Cuba tem excelentes indicadores em alguns pontos, como boa escolarização, acesso à saúde e baixa mortalidade infantil.
Contudo é também ainda hoje uma ditadura de partido único, onde as pessoas são perseguidas por suas opiniões políticas e toda a imprensa é controlada pelo governo. Fica a pergunta que ele levantou lá em 1953: a História o absolverá? Ou continuará ele a dividir corações e mentes na América, o bicho-papão ditador comunista, para uns, e o santo guerreiro contra o dragão do imperialismo americano, para outros? A verdade provavelmente fica em algum lugar do meio.
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