Madonna nos clipes de "Material Girl", "Like a Prayer", "Vogue" e "Frozen" - Divulgação/Youtube/Madonna
Madonna

Mulher de fases: Há 65 anos, nascia Madonna; veja como ela se tornou a 'rainha do pop'

O filósofo e pesquisador Ali Prando reflete sobre o que cravou Madonna na história da música

Isabela Barreiros Publicado em 28/02/2021, às 07h00 - Atualizado em 16/08/2023, às 09h41

Década de 80. Walkmans, computadores, celulares, sintetizadores e MTV. Se o mundo estava em um contexto de revolução tecnológica, com experimentos que popularizaram até mesmo cartões de crédito magnéticos, a situação não era diferente na cena musical. Artistas colaboravam entre si, criando produtos inovadores que fizeram história. 

Arriscar fazia parte do processo, assim como toda obra de experimentação, e misturar linguagens e formatos foi o que colocou os anos 80 no patamar de um dos mais importantes da história da música. Ao longo da década, inúmeros artistas de peso surgiram e se tornaram inesquecíveis, inclusive aquela que foi eternizada como Rainha do Pop.

Em entrevista ao site Aventuras na História, o filósofo e pesquisador Ali Prando, que orienta o curso Politizando Beyoncé, explica que Madonna se destaca — neste e em todos os contextos em que ela se propôs a estar. Pesquisador com as temáticas de gênero, sexualidade e feminismo, Prando afirma: “Madonna foi muito mais longe do que outras artistas POP”.

A artista se colocou na linha de frente contra “os monstros do patriarcalismo” logo no começo de sua longa — e ainda presente — carreira. Com os movimentos feministas da década de 1970, Madonna pôde explorar sua liberdade sexual de maneira mais ampla. Ainda assim, ela foi responsável por gerar inúmeras discussões e polêmicas. 

Segundo o filósofo, a cantora, no início, iniciou “grandes debates e provocações aos políticos conservadores da época e líderes religiosos, como o Papa João Paulo II”. E, “ao longo da sua carreira, enfrentou presidentes como Reagan, Putin, Bolsonaro, George Bush, Donald Trump, Marine Le Pen, além de líderes religiosos dos quatro cantos do mundo, especialmente do fundamentalismo cristão”, explica.

Ao misturar política com sua carreira artística e vida pessoal, Madonna criou uma estética inovadora que realiza, desde então, um enfrentamento contra-hegemônico presente em seus clipes, músicas, álbuns e projetos a parte, como o livro Sex Book, lançado em 1992, “onde expunha suas maiores fantasias sexuais e fetiches através das lentes de Steven Meisel”.

Assim, seus posicionamentos não estavam presentes apenas durante seus discursos, entrevistas e, na atualidade, tweets, por exemplo, — eles estavam explícitos em sua arte.

“Em ‘Justify My Love’, ela faz uma reafirmação da multiplicidade sexual e desejo humano. Em ‘American Life’, ela ironiza o estilo de vida norte-americano, baseado em consumo e a política de guerra. Já em ‘God Control’, de seu disco mais recente, ‘Madame X’, ela cria uma narrativa anti-armamento ao mesmo tempo em que faz homenagem ao Studio 54”, conta o pesquisador.

“Gênero enquanto linguagem”

Crescendo em Michigan, Bay City, a jovem Madonna teve contato desde cedo com imigrantes latinos, afro-americanos, italianos e pessoas da classe trabalhadora no geral. Foi na sua adolescência que a cantora também conheceu Christopher Flynn, “o primeiro de muitos homens gays com o qual ela teria contato e produziria arte”, conforme Prando.

Flynn ensinou Madonna sobre artes em geral, e foi ponto marcante de sua relação extensa com a comunidade LGBTQIA+”, afirma.

Esse primeiro contato cresceu cada vez mais, tornando-se parte intrínseca da arte e vida íntima de Madonna, que passou a advogar pelos direitos da comunidade, além de transformar a questão política em uma estética muito particular, pela qual ela é conhecida até os dias de hoje. 

“Se a nossa sociedade atualmente é verdadeiramente homolesbotransfóbica, há quarenta anos era ainda mais”, diz o filósofo. “Madonna cresceu artisticamente cercada de artistas transviados, então era natural que ela absorvesse parte dessa cultura e linguagem em seu próprio trabalho. Em suas entrevistas, videoclipes e performances, ela advogava pela liberdade sexual, e de fato, ela abordou esses temas antes mesmo de vários artistas LGBTs realizarem seu coming-out, tamanha pressão que existia — ainda existe? — para que as pessoas permanecessem na linha, ou seja, heterossexuais”.

Madonna em "Vogue" / Divulgação/Youtube

 

É possível dizer, portanto, que “Madonna sempre entendeu gênero enquanto linguagem”. A linguagem, mais que uma forma de dizer algo, se concretiza por meio das ações: foi assim que a cantora passou a incorporar elementos de expressão como ballroom, voguing e drag em seus processos criativos, tornando-se um dos mais importantes ícones queer da história.

E embora isso tenha se tornado uma importante parte do que Madonna é como artista, também foi uma questão que ela levou a sério em sua vida de maneira geral. Ela, por exemplo, fez doações para pesquisas de HIV/AIDs quando isso ainda não era pauta nem em governos institucionais. “Ações dizem mais do que palavras”, opina Prando

Referências e identidades

“Antes de ser cantora ou compositora, acredito que os maiores trunfos de Madonna é o fato de que ela é uma excelente curadora de arte”, explica o filósofo. O corpo da artista funcionaria como um quadro branco em que colaboradores estéticos podem dar sua contribuição, de maquiadores a coreógrafos, produtores musicais a cineastas.

É por isso que a construção da persona de Madonna não é única: ela passa pelas mais diferentes identidades, trabalhadas em diferentes álbuns ou períodos de sua carreira. Para combater a misoginia, por exemplo, ela explorou os estereótipos de gênero ligados à feminilidade, falando sobre virgindade e liberdade sexual ao mesmo tempo.

A artista na era "Like a Virgin" / Divulgação

 

“Ainda hoje, existe um forte estereótipo que cerca as representações de mulheres: elas são sempre representadas enquanto santas ou putas, vilãs ou mocinhas, sempre numa lógica bastante binária que empobrece os debates de gênero”, diz o pesquisador.

Ao criar uma estética completamente única para combater desigualdades por meio da arte, Madonna cravou seu nome na história da música como uma das mais importantes artistas de todos os tempos.

“Acredito que através de sua obra e também vida pessoal, Madonna tenha borrado essas linhas, permitindo ser várias mulheres: ela foi de garota espiritual à garota materialista, brincou com estereótipos de virgindade, comportou-se diversas vezes como uma stripper e também como uma mulher de negócios — tudo ao mesmo tempo”.

Embora outros artistas tenham misturado música e política ao longo de suas carreiras, ela fez isso de uma maneira imbatível, única e que ainda persiste.

“Ela não tem medo de arriscar, mudar sua sonoridade, sua imagem — não à toa, diferente dos artistas de sua geração, ela não faz turnês de greatest hits ou celebrações da sua própria carreira. E mais do que isso, não tem nenhum receio de enfrentar os monstros do patriarcalismo”, sintetiza Prando


Sobre o entrevistado

Ali Prando é filósofo e pesquisador com as temáticas de gênero, sexualidade e feminismo através de perspectivas butlerianas. Atua também como blogger e jornalista nos portais DiscoPunisher e WhatElseMag, onde entrevistou mais de 200 ícones POP - de Caetano Veloso à Charli XCX, de Elza Soares a Pabllo Vittar, aos artistas da Nova MPB e MPBicha. No Brasil, criou o curso 'Politizando Beyoncé: Raça, Gênero e Sexualidade', que versa sobre estudos de mídia, estudos raciais e transviados, considerado pelo HuffPost como “tudo o que você precisa e não sabia”.

Criou também o curso ‘Björk – Paradigmas do Pós-humanismo.exe’, incluído na exposição internacional ‘Björk Digital’ durante sua passagem pelo país. Em 2020, foi curador do Mix Talks no Festival Mix Brasil, maior plataforma de discussão de diversidade da América Latina.

Foi considerado pela Revista Valor Econômico uma das 10 pessoas que mais lutaram por justiça social durante a pandemia no Brasil. Já apresentou suas provocações filosóficas nos principais espaços culturais e festivais brasileiros.

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